Sem apoio federal, Funai local e indígenas tentam evitar coronavírus na Terra Indígena Andirá-Marau

Rafael Nakamura

Após a confirmação da primeira morte por doença do novo coronavírus (Covid-19) entre o povo Sateré-Mawé aumenta a preocupação com os cerca de 15.776 indígenas que vivem na Terra Indígena(TI) Andirá-Marau, situada no limite dos estados do Amazonas e do Pará. Sem apoio federal e sem material necessário para a proteção contra o vírus, indígenas, funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) tentam evitar o contágio nas aldeias. Parintins, Barreirinha e Maués, as cidades mais próximas da TI chegaram nesta segunda-feira (4/5) a 359 casos confirmados de Covid-19 e um total de 29 óbitos, segundo informações da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas.

Saindo de Maués são pelo menos seis horas de barco até as aldeias da calha do rio Marau, onde vivem 6.559 Sateré-Mawé. De Parintins são 8 horas pelo rio Andirá, até chegar em outro conjunto de aldeias onde vivem 8.037 indígenas. A outra possibilidade saindo de Parintins é alcançar o terceiro conjunto de aldeias no rio Waicurapá, depois de 5 horas de viagem, onde vivem mais 1.140 Sateré-Mawé. Os dados de população foram levantados pela Divisão de Atenção à Saúde Indígena (Diase/Sesai).

Como agravante das distâncias, a radiofonia da Funai nas Coordenações Técnicas Locais (CTL) em Maués e em Parintins não funciona e os servidores precisam utilizar o equipamento das Casas de Saúde Indígena (Casai). Em alguns casos, a única comunicação possível é através de aplicativos de mensagens pelo celular nas aldeias onde existe internet, que nem sempre funciona, instalada em escolas.

Para evitar os contágios dentro da TI Andirá-Marau, desde meados de março, duas barreiras sanitárias foram montadas próximas aos limites da área indígena: uma no acesso pelo rio Marau, no limite a oeste, e uma no acesso pelo rio Andirá, no limite ao norte. A maioria das aldeias do povo Sateré-Mawé estão nas calhas destes dois rios, que seguem até o meio da terra demarcada, e as barreiras são para fazer o controle da entrada e saída de indígenas e não-indígenas.

Nos dois acessos as barreiras sanitárias foram montadas em barcos com membros da Funai e profissionais da saúde, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e dos municípios próximos, que se desdobram para trabalhar em condições precárias.

Na barreira do rio Marau, apenas um funcionário da Funai, sem ter com quem revezar, faz a contenção junto com dois enfermeiros e dois motoristas fluviais. Apesar da dificuldade, o chefe da Funai em Maués, Artur Batista de Oliveira, diz que a barreira está funcionando.

“A barreira Sanitária do Marau está funcionando bem, com a colaboração do povo Sateré-Mawé. Os não indígenas tentaram resistir, mas foram retirados com a força da Polícia”, comenta.

Também reduzida, a equipe da Funai em Parintins tem se revezado na barreira do rio Andirá. Os servidores reclamam a falta de estrutura para trabalhar e os riscos em meio a pandemia.

“Só quem tem dado o mínimo de estrutura é o Dsei [Distrito Sanitário Especial Indígena] e a vigilância sanitária da cidade de Barreirinha, o que dificulta nosso trabalho. Até agora não chegou nenhum recurso da Funai para as ações de combate à Covid. Não chegou nenhum equipamento de proteção: nem álcool gel, nem luva, nem máscara. Temos que comprar o material por nossa conta e além de caro está escasso nos mercados”, revela um servidor da Funai em Parintins, que prefere não se identificar.

No terceiro acesso, pelo rio Waicurapá, a chegada é por uma região com forte atuação de madeireiros onde não está sendo feita nenhuma barreira. A Funai em Parintins já enviou um plano de trabalho para ações de monitoramento e fiscalização contra a atuação de madeireiros e grileiros nas proximidades da fronteira com o estado do Pará, mas até agora a sede da fundação em Brasília não tomou providências. Os Sateré-Mawé também já denunciaram a presença de garimpeiros no interior da Terra Indígena Andirá-Marau.

Para os indígenas, a maior dificuldade para o isolamento na aldeia é a incerteza sobre a garantia de alimentação para as comunidades. Como a Funai ainda não conseguiu fazer entregas de cestas básicas, os indígenas precisam fazer compras nos mercados.

“A região já não tem peixe e caça para os indígenas, as roças também não conseguem abastecer, então nos preocupamos com a situação alimentar das comunidades. Tomamos a iniciativa de adquirir as cestas básicas, a solicitação foi feita há mais de um mês mas as cestas não chegaram”, lamenta o servidor da Funai.

Os servidores da fundação enviaram para Brasília o pedido das cestas básicas, mas ainda aguardam o envio. Também a liberação do auxílio emergencial de R$ 600 causou um aumento de pressão dos indígenas para irem até a cidade.

“Amenizamos a situação permitindo a vinda em grupos pequenos de 10 a 15 indígenas, quando chegam em Barreirinha já tem uma equipe esperando para orientá-los”, conta o servidor da Funai.

Primeira vítima
O tuxaua (chefe político), Otávio dos Santos, 67 anos, faleceu no último dia 16 de abril após passar três dias internado no hospital em Maués, cidade mais próxima da aldeia São Benedito, onde vivia com seus familiares. A aldeia está próxima do limite, mas situada fora da TI Andirá-Marau.

Ainda vivendo o luto do tuxaua, cinco familiares testaram positivo para Covid-19 e estão na Casa de Saúde Indígena (Casai) de Maués, unidade ligada ao Dsei de Parintins. Sua esposa, uma das familiares que testou positivo, se recupera na casa do filho que fica na mesma cidade.

A família reclama que até agora não recebeu o atestado de óbito de Otávio, nem seus pertences. O conselheiro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jesiel dos Santos escreveu uma carta denunciando descaso da Sesai com os familiares do Tuxaua Otávio.

“A família do tuxaua está sozinha tendo que ir atrás dos documentos, não sabem nem mesmo onde ele foi enterrado, não tem acompanhamento de assistência social, nem nada”, lamenta.

Um dos filhos do tuxaua, Flávio Batista dos Santos foi citado na nota de falecimento divulgada pela Sesai em 17 de abril. O comunicado diz que: “o Tuxaua recebeu a visita de um filho, há poucos dias, que reside em Salvador-BA, o qual chegou na aldeia apresentando tosse”. Flávio passou a ser acusado de ter transmitido o vírus para seu pai, apesar de nunca ter feito teste que pudesse confirmar sua contaminação.

Estado crítico
Até o momento de publicação desta reportagem o Dsei Parintins tinha 18 confirmações de indígenas contaminados pelo coronavírus, segundo boletim da Sesai. O distrito atende os municípios de Maués, Barreirinha e Parintins, por onde muitos indígenas do povo Sateré-Mawé moram e circulam.

O Amazonas acumula um total de 7.313 casos de coronavírus segundo o painel do Ministério da Saúde, o número de mortes chegou a 585. Do total de casos, 221 são em Parintins, que contabiliza 17 óbitos, e 129 em Maués, que contabiliza 12 óbitos. Barreirinha chegou a nove casos, sem nenhum óbito até o momento. A situação no estado está entre as mais preocupantes no país com o sistema de saúde em colapso. Segundo a Secretaria de Saúde do Amazonas o estado tem 89% dos leitos de UTI ocupados, mas o número já chegou a 96% em abril.