Matsés repudiam exploração de petróleo e gás em seu território, durante a IV Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru

Por Helena Ladeira

Entre os dias 9 e 11 de março de 2013 foi realizada, na Terra Indígena Vale do Javari, a IV Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru, consolidando o ciclo de encontros anuais com o objetivo de fortalecer os vínculos entre os indígenas Matsés dos dois lados da fronteira e estabelecer alianças estratégicas para a proteção de seu território tradicional. Sediado este ano na aldeia Lobo, do lado brasileiro do rio Jaquirana, o encontro foi realizado pela Organização Geral Mayuruna (OGM) e Comunidad Nativa Matsés (CNM), em parceria com o CTI e a FUNAI, e reuniu mais de 130 indígenas, além de autoridades governamentais e representantes de organizações da sociedade civil do Brasil e Peru.

Mais uma vez, o principal tema tratado no evento foi a exploração petroleira sobre o território do povo Matsés e de povos indígenas isolados. Desde 2007, os Matsés rechaçam a entrada de empresas petroleiras, por entenderem que os impactos que este tipo de exploração traz afetam a integridade territorial e o bem-estar de seu povo e dos povos indígenas isolados, em ambos os lados da fronteira.

“Eu tenho que fazer o que meu pai me ensinou, que é lutar pelo meu território. Meus netos vão crescer e o que eu vou deixar para eles? Sujeira? Temos que nos unir. Sabemos que com a abertura de heliportos há impactos, porque há muito barulho e a caça irá fugir com este barulho. Além disso, há índios isolados e eles ficarão ameaçados, podendo inclusive entrar em conflito com os Matsés.”

Arturo Tumi (liderança da aldeia Buenas Lomas Nueva)

No lado brasileiro da fronteira, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) vem realizando investimentos em pesquisa para a exploração de hidrocarbonetos em áreas próximas ao limite sul da TI Vale do Javari, como já divulgado pelo CTI. Mas o cenário é mais grave no lado peruano da fronteira, onde dois lotes petroleiros (os lotes 135 e 137) concedidos pelo governo do Peru se sobrepõem a milhares de hectares da Comunidad Nativa Matsés (parte regularizada do território tradicional dos Matsés no lado peruano), e também sobre áreas de ocupação de povos indígenas isolados ainda não reconhecidas por este Estado. No momento, existe maior preocupação com o Lote 135, onde, desde o fim de 2012, são realizadas atividades de prospecção sísmica 2DAmbos os lotes fazem limite com a TI Vale do Javari, no Brasil, além de se sobreporem a uma área natural protegida no Peru (Zona Reservada Sierra del Divisor) e às cabeceiras de rios que fazem parte do território tradicional do povo Matsés.

“As linhas sísmicas do lote 135 estão afetando as cabeceiras dos igarapés afluentes do rio Jaquirana, e precisamos que seja firmada uma ata rechaçando veementemente a realização de sísmica e explotação nestes igarapés, que chegam até o rio Jaquirana. Não somos contra o desenvolvimento, mas os povos indígenas precisam ser consultados, ser informados sobre como isto ocorre, quais as consequências. A empresa só fala em consequências boas,
mas nunca menciona nenhum efeito negativo. Por isso, somos contra empresas que usurpam as terras dos Matsés”.

Pepe Fasabi (liderança da aldeia San José de Añushi)

 

Caso sejam detectadas reservas de hidrocarbonetos com potencial comercial, a empresa canadense Pacific Rubiales Energy terá direito a explorar estes recursos por 40 anos, de acordo com o contrato de concessão firmado com a agência reguladora peruana, a Perupetro. A mesma preocupação se estende ao Lote 137, que também foi concessionado à Pacific Rubiales Energy, embora a empresa não tenha obtido, até o momento, aprovação dos Matsés para realizar levantamentos sísmicos. As lideranças Matsés têm se mantido firmes em sua posição contrária a qualquer atividade petroleira em seu território tradicional.

“Seremos afetados, pois moramos na fronteira. Se eles vão entrar sem consultar, não vamos deixar. Falam que petróleo dá dinheiro, mas não queremos dinheiro, pois temos que pensar nos nossos filhos e netos, e para isso precisamos da terra sem sujeira. Eu sou dono da minha terra e vou ficar aqui para protegê-la. Se for preciso vamos para a guerra.”

 Waki Mayuruna (cacique da aldeia Lobo)

Além da temática do petróleo, a reunião abordou questões referentes ao atendimento à saúde e à proteção e monitoramento territorial. As principais propostas e demandas relacionadas a estes temas foram reunidas em um documento final dirigido às autoridades de ambos os países. 

Documento Final da IV Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru
Nós, lideranças e representantes do povo Matsés, de organizações indígenas e de organizações governamentais e da sociedade civil do Brasil e Peru presentes na IV Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru, realizada na aldeia Lobo, Terra Indígena Vale do Javari/AM, rio Jaquirana, Brasil, nos dias 09 a 11 de março de 2013, tornamos público o seguinte pronunciamento em relação aos principais temas tratados nesta ocasião, que afetam a integridade territorial e o bem-estar do povo Matsés e dos povos indígenas isolados em ambos os lados da fronteira:  
Petróleo
I – Rechaçamos qualquer atividade petroleira dentro das terras Matsés em ambos os países, abrangendo toda a bacia hidrográfica do Jaquirana, incluídas as áreas que estão no interior da Reserva Nacional Matsés, da proposta de Reserva Territorial Tapiche-Blanco-Yaquerana e Zona Reservada Sierra del Divisor, que fazem parte do território ancestral do povo Matsés. Nosso povo já viveu as conseqüências de prospecção no passado que afetaram a fauna, flora e principalmente os recursos hídricos e trouxe impactos sociais aos Matsés. Exigimos das autoridades dos governos local, regional e nacional dos dois países que respeitem esta posição.
II – Decidimos formar uma comitiva de lideranças do povo Matsés para viajar a Brasília para se reunir com autoridades de órgãos de governo e representantes de organismos de defesa dos direitos indígenas para manifestar nossa posição contrária em relação à atividade petroleira na região.
III – Solicitamos apoio aos parceiros da sociedade civil brasileira, peruana e internacional para divulgarem em seus respectivos países a posição do povo Matsés contra a atuação das empresas que tem contrato de exploração de petróleo nos lotes 135 e 137, concedidos pelo governo do Peru.
IV – Que a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, através de sua presidência, estabeleça um diálogo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil com o propósito de interceder junto às instâncias diplomáticas do Estado Peruano sobre os impactos da prospecção sísmica nos lotes 135 e 137 no território Matsés e de povos indígenas isolados, por estarem situados em bacia hidrográfica binacional, afetando diretamente comunidades indígenas na Terra Indígena Vale do Javari.
V – Da mesma forma, repudiamos as atividades de prospecção sísmica feitas pela empresa GEORADAR ao sul da Terra Indígena Vale do Javari, sem informar os povos indígenas que utilizam varadouro nessa região, e que podem ter afetado as terras ocupadas por povos indígenas isolados nas proximidades dos limites dessa área sem aguardar os levantamentos de localização territorial da ocupação desses povos.
VI – Diante do fato de não ter havido adequado processo de consulta ao povo Matsés em relação às atividades de empresas do setor petroleiro nos lotes 135 e 137 no Peru, solicitamos às autoridades deste país que cancelem atividades petroleiras presentes e futuras na região. 

 
Povos Indígenas Isolados
VII – O povo indígena Matsés reafirma a presença de índios isolados na região do alto Jaquirana, e demanda ao Viceministerio de Interculturalidad do Peru que reconheça oficialmente a Reserva Territorial Tapiche-Blanco-Yaquerana.
VIII – Desse modo, requeremos a interrupção de qualquer pesquisa e exploração petroleira que afete o território dos povos indígenas na referida Reserva Territorial.
IX – Demandamos que a FUNAI realize expedição de localização de índios isolados na região do rio Jaquirana com a participação de representantes do povo Matsés. 


Controle Territorial (vigilância e monitoramento)
X – Exigimos que a FUNAI, o Exército Brasileiro, a Polícia Federal, o IBAMA, o Governo Regional de Loreto e o Servicio Nacional de Areas Naturales Protegidas (SERNANP), cada um no âmbito de suas atribuições legais, inclusive de forma conjunta, realizem as ações de fiscalização e monitoramento territorial no rio Jaquirana.
XI – O povo Matsés reafirma o pedido de apoio aos órgãos governamentais de ambos os países para a realização de ações de vigilância e monitoramento de seu território, com acompanhamento da Organização Geral dos Mayuruna (OGM) e Comunidad Nativa Matsés, conforme já solicitado no documento final da III Reunião Binacional Matsés Brasil-Peru.  


Saúde
XII – O povo Matsés reafirma o quadro inaceitável de saúde em suas comunidades, com a incidência de diversas endemias e outras doenças (hepatites, malária, filariose,DSTs e tuberculose, dentre outras) que continuam provocando inúmeras mortes e adoecimentos.
XIII – Requeremos que a SESAI/Ministério da Saúde e a Dirección Regional de Salud–DIRESA realizem a troca de informações e promovam ações conjuntas de atendimento ao povo Matsés, atuando imediatamente no combate a este quadro.
XIV – Propomos que seja realizada uma reunião entre os órgãos e instituições que têm atuação na região do Jaquirana para definir uma estratégia de ação integrada de enfrentamento às questões de saúde que afetam o povo Matsés, buscando melhorar o atendimento.
Aldeia Lobo, Terra Indígena Vale do Javari, 11 de março de 2013.

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