A despedida de uma grande liderança espiritual e política

Por Maria Inês Ladeira

Ava Jejoko (leiam  Avá Jejokó), Samuel Bento dos Santos, deixou-nos  na madrugada do dia 10 de dezembro, na aldeia Conquista em Santa Catarina, onde estava de visita, na Opy (casa de rezas), cumprindo o  destino de sua alma generosa. No dia 12, seu corpo descansou no antigo cemitério da Terra Indígena Ribeirão Silveira situada nos municípios de São Sebastião e Boracéia (SP), lugar que elegeu para viver. Foi lá que iniciou, em 1980, uma longa batalha para assegurar uma pequena fatia de Mata Atlântica com água boa e mata preservada, em vias de ser destruída pela especulação imobiliária, para abrigar, entre as outras criaturas das florestas, gerações de Guarani e Tupi-Guarani. Teve a recompensa da notícia de ver a aldeia do “Silveira” declarada finalmente em 2008 pelo Ministério da Justiça como Terra Indígena na extensão pretendida e vislumbrada, cobrindo cabeceiras e montanhas sonhadas. Porém sua alegria foi encoberta pela nuvem de uma nova interrupção do processo (entre as sucessivas que se desencadearam durante a regularização desta Terra Inígena) que se encontra hoje no STF.

Jejoko, com seu chamado profético, quando motosserras já se acercavam de sua casa à beira do Silveira, inaugurou e deu a forma e o tom ao trabalho do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) pelo reconhecimento de direitos territoriais dos Guarani, intimando-nos à participação e ao envolvimento contínuo e direto nos processos administrativos e judiciais para regularizar os pequenos espaços que lhes restaram de seu extenso território tradicional. Não foi por acaso que o CTI comemorou, em 2009, 30 anos de existência formal na aldeia do Silveira.

Cultuado por seu povo pelos conhecimentos e práticas que transmitiu,  Jejokó  possuía fórmulas inusitadas de pacificar os não índios sobretudo tratando-se dos seus opositores . Em março de 1988, no final de uma difícil  audiência no Fórum de São Sebastião (SP),  ainda nas escadas do edifício, Jejokó num ato espontâneo e repentino presenteia e veste  o advogado do pretendido dono da terra do “Silveira”, com seu cocar. A reação primeira do advogado atônito foi recusar, mas o gesto simples, discreto e público do cacique impôs a sua lei, a de aceitar.

Xamã reconhecido pela eficácia, visionário, cativou muitas centenas de afilhados, incluindo osjurua  (não índios) os quais nomeou e iniciou com suas interpretações  cosmológicas  e visão  histórica  em uma temporalidade cíclica, avivando e presentificando  fatos e guerras com a nitidez de sua memória única.  Jejoko,  que afirmava sua descendência tupinambá atraiu,  instigou  e desnorteou uma leva de pesquisadores que procuravam captar sentidos em  suas narrativas  e discursos cuja única lógica obstinada era a efemeridade e a constância ao mesmo tempo.

Jejoko, seu canto forte e emocionante ecoará sempre nos corações dos que tiveram o privilégio de escutar.

 

VEJA O VÍDEO “KARAI – O DONO DAS CHAMAS (1985)” EM HOMENAGEM A SAMUEL AVA JEJOKO