Aliança Huni Kui para proteção territorial

Nathália Clark

Intercâmbio entre agentes agroflorestais de três terras indígenas Kaxinawá e equipe da Frente de Proteção Etnoambiental Envira debate estratégias para fortalecer o trabalho conjunto de monitoramento e vigilância territorial

Encontro na aldeia São Joaquim Centro de Memória reuniu agentes agroflirestais de 34 aldeias de três terras indígenas Kaxinawá, além das equipes da FPEE, CTI, CTL-Jordão e CPI-AC (Foto: Nathália Clark/Acervo CTI).

Com objetivo de fortalecer a parceria no trabalho de proteção dos territórios indígenas, a Frente de Proteção Etnoambiental Envira (FPEE/Funai) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) realizaram, entre os dias 14 e 17 de abril, um intercâmbio com os Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFIs) do povo Huni Kui (também conhecido como Kaxinawá). Uma das funções dos AAFIs é justamente monitorar o território e controlar a entrada de invasores nas terras indígenas.

Realizado em parceria com a Coordenação Técnica Local (CTL/Funai) do município de Jordão e a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), o encontro ocorreu na aldeia São Joaquim Centro de Memória, TI Kaxinawá do Baixo Rio Jordão, e contou com a participação de agentes agroflorestais de 34 aldeias das terras indígenas Kaxinawá do Rio Jordão, Kaxinawá do Baixo Rio Jordão e Kaxinawá Seringal Independência. Ao final do evento foi construído um plano de trabalho conjunto para ações de proteção territorial e procedimentos em relação
à presença de índios isolados.

“Vocês não podem esquecer que toda entrada em área deve ser autorizada pela comunidade”, reforça Marcelo Fernando Batista, indigenista especializado da FPEE. Ele recomenda aos indígenas que utilizem a política do não enfrentamento, tanto com os invasores quanto numa situação de contato com os isolados. “Desde 2014 não contabilizamos nenhuma morte de isolados, pelo contrário, houve um nascimento. Então temos que manter essa política do não-contato, e montar estratégias conjuntas com as populações do entorno, sejam indígenas ou ribeirinhos, para proteger tanto o território dos isolados quanto o dessas populações”, defende.

A área de jurisdição da Frente de Proteção Etnoambiental Envira (FPEE/Funai) abrange mais de 2 milhões de hectares no estado do Acre, incluindo 10 terras indígenas e três unidades de conservação. Atualmente, a equipe da FPEE trabalha com seis registros de isolados, além de um grupo de recente contato e do grupo nômade Mashco Piro, do Peru, que também transita pela região de fronteira com o Brasil.

Agentes agroflorestais somam ao trabalho de fiscalização

Josias Maná Kaxinawá, agente agroflorestal da aldeia Boa Esperança e atual presidente da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), lembra que o trabalho dos AAFIs foi iniciado em 1996. “Eu sou da turma de 1999, do segundo curso de formação, iniciativa da CPI-AC. Começamos com 15 pessoas, agora são 179 agentes só no estado do Acre. Antes muita coisa estragava, tinha gente que fazia caça com cachorro. Agora nós temos regra.”

Ele conta que hoje existem 31 AAFIs formados no estado do Acre, que recebem bolsa do Estado de R$1100,00, e 95 em formação. “A partir de 2002 surgiu a associação, que nos representa e pode facilitar o trabalho, organizando os Sistemas Agroflorestais (SAFs), as hortas, comprando sementes, fazendo o lixo orgânico. Mas também não é só plantar, temos que entender o tamanho da nossa terra, o tamanho da nossa população. É um trabalho comunitário. A comunidade está aumentando, então temos que ensinar os mais novos”, frisa Josias Maná.

A Comissão Pró-Índio do Acre é a responsável pela formação dos AAFIs. Segundo Ana Luiza Ramalho, coordenadora do Programa de Gestão Ambiental da CPI-AC, o processo de formação acontece em quatro modalidades: cursos presenciais, que duram 30 dias e acontecem no Centro de Formação dos Povos da Floresta, na sede da organização; viagens de assessoria; intercâmbios; e oficinas itinerantes.

Lucas Sales Kaxinawá, secretário da AMAAIAC, é AAFI desde 2002, mas afirma que o trabalho agroflorestal não é novidade para o povo Huni Kui. “Quem começou isso foram nossos avós, que plantaram muito. Hoje, com a produção dos SAFs, também estamos ajudando as comunidades, as merendas das escolas – porque nosso povo come muito, né! Muito do lixo que vem para as aldeias vem de fora. Então temos um trabalho de coletar o que não é daqui e devolver para a cidade”, diz ele.

Compartilhamento de informações para proteção territorial

AAFIs indicam no mapa os pontos onde há registros de invasões e presença de isolados (Foto: Nathália Clark/Acervo CTI).

Além da gestão das hortas e do lixo, outro trabalho importante dos AAFIs é o monitoramento e a vigilância territorial. “Para essa parte, nem sempre só a vontade basta. É preciso equipamento, máquina, gravador, telefone”, afirma Tadeu Kaxinawá, cacique da aldeia São Joaquim. Ele aproveitou para cobrar da Funai um posto de vigilância em uma das aldeias do Rio Jordão. “Aqui existe muita invasão de madeireiro, pescador e caçador. Precisamos de rádio para repassar as informações para a Funai.”

O maior número de registros de invasões de caçadores nas TIs do Rio Jordão se concentra nos igarapés Jardim e Arara (com entrada pela TI Seringal Independência). Da parte dos isolados, a pressão maior é na aldeia Novo Segredo, alto Rio Jordão, onde há bastante relato de avistamento, assobio na mata e alguns saques. No caso de encontro com isolados, a FPEE recomenda às comunidades que documentem o máximo de informações possível, como nome do informante, data e local do avistamento, tempo do vestígio e o que foi visto.

Os vestígios nas aldeias do Alto Rio Jordão vão desde avistamento e varadouro até fogo nos igarapés, sendo um deles bem próximo da aldeia Verde Floresta. Algumas das soluções e estratégias apontadas pelos AAFIs para facilitar o trabalho de vigilância do território foram a realização de oficinas de conscientização voltadas para a população do entorno, fiscalização e monitoramento via fluvial e terrestre, instalação de rádios nas aldeias, articulação com instituições municipais e instalação de placas informativas dentro das TIs.

Na fala de encerramento, Sian Kaxinawá, cacique das três TIs do rio Jordão e presidente da Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ), falou sobre a importância do intercâmbio. “Esse encontro significa muita coisa pra nós, pois nós já não conseguíamos ouvir uns aos outros. Nós nos sentíamos fragilizados. Queremos fortalecer a parceria com a Funai e as outras instituições parceiras. A função da Funai é representar as nossas necessidades, por isso temos que seguir unidos”, frisou.