Vitória Matsés: Pacific Stratus desiste do Lote 137

Resistência e mobilizações do povo Matsés levam petroleira a rescindir contrato com agência reguladora Perupetro

Terminou em julho deste ano o contrato de exploração de petróleo em território peruano no Lote 137, concedido para a Pacific Stratus Energy S.A. O fim do contrato consta em relatório mensal da Perupetro, agência reguladora estatal peruana encarregada dos contratos de exploração de hidrocarbonetos. Segundo o relatório, a decisão de rescindir o contrato e devolver a área total do lote foi motivada pela oposição da Comunidad Nativa Matsés (CNM), que impediu a empresa de iniciar o processo de Estudo de Impacto Ambiental e executar o Programa Mínimo de Trabalho do primeiro período da fase de exploração. Devido a essa resistência, obrigações contratuais do Lote 137 encontravam-se suspensas há quase nove anos “por situação de Força Maior”. A exploração de petróleo é motivo de grande preocupação do povo Matsés, que tradicionalmente ocupa a bacia do rio Jaquirana, principal formador do rio Javari na região de fronteira do estado do Amazonas, no Brasil, com o departamento de Loreto, no Peru.

Há anos os Matsés habitantes do lado peruano, reunidos na Comunidad Nativa Matsés,  são pressionados pela exploração petroleira.  A partir de 2009, essa preocupação levou a um processo de aproximação entre a CNM e os Matsés no Brasil – representados pela Organização Geral dos Mayuruna (OGM) –, além de outras organizações indígenas e indigenistas.  Surge, assim, a Reunião Binacional Matsés Peru-Brasil, espaço de troca de informações e articulação comum frente às ameaças ao povo Matsés e seu território, que em 2016 chegou à sua sexta edição. A exploração petrolífera tem sido a pauta de maior destaque das reuniões binacionais desde a primeira edição, e marcou a vida dos Matsés em ambos os lados da fronteira em décadas anteriores.

O contrato de licença para a exploração e explotação de petróleo assinado entre o governo peruano e a Pacific Stratus no lote 137 termina em um contexto de recuo de investimentos em operações exploratórias motivado pela queda do preço do petróleo no mercado internacional.  Contudo, foram decisivos para esse desfecho o rechaço contundente e contínuo, e as mobilizações dos Matsés contra este tipo de atividade em seu território durante quase uma década.

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Mapa da região do território Matsés com o Lote 137 que teve contrato com petroleira finalizado (Imagem: Acervo CTI)

Por conta dessa resistência, a Pacific Stratus Energy nunca chegou a iniciar suas atividades de exploração no Lote 137. Segundo informações da organização peruana Centro para el Desarollo del Indígena Amazónico (Cedia), o Lote 137 se sobrepõe a 36% da área da Reserva Nacional Matsés e a 49% da Comunidad Nativa Matsés. Além disso, em conjunto com o Lote 135 – também concedido para Pacific Stratus Energy S.A em 2007 – ele se sobrepõe à quase totalidade da proposta de Reserva Indígena para índios isolados Yavarí-Tapiche.

Ainda em fase de exploração, quando são realizados estudos para determinar a viabilidade de produção de petróleo e/ou gás na área, o Lote 135 segue ameaçando o território tradicional dos Matsés e de povos isolados nessa área de fronteira entre Brasil e Peru. Já de início, quando os Lotes 135 e 137 foram concessionados em 2007, os Matsés passaram a manifestar sua posição contrária à exploração de petróleo em seu território. Atividades exploratórias realizadas nas décadas de 1970 e 1980 tiveram graves impactos sobre o povo Matsés em ambos os países – como, por exemplo, a contração de doenças, o abandono de roçados, migrações forçadas e o contato de grupos Matsés que até então viviam em isolamento com equipes de trabalhadores das petroleiras.

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Lideranças Matsés do Brasil e Peru em lote petrolífero no rio Corrientes (Loreto, Peru) durante intercâmbio com povo Achuar para discutir impactos da exploração e produção petrolífera (Foto: Conrado R. Octavio / Acervo CTI, 2014)

Atualmente, a preocupação com a exploração de petróleo na região se agrava devido a informações sobre a presença de índios isolados. No Peru, diversas fontes mencionam a existência de isolados nas bacias dos rios Jaquirana, Javari e Tapiche, e desde 2003 tramita no governo a proposta da Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (Aidesep) para a criação da Reserva Indígena Yavarí-Tapiche.

Depoimentos coletados junto ao povo Matses para um estudo de avaliação desta proposta, realizado pelo então Instituto Nacional de Desarrollo de los Pueblos Andinos, Amazónicos y Afroperuano (Indepa), deixam clara a ocorrência de avistamentos e vestígios da presença de isolados por moradores das aldeias Buenas Lomas Nueva e Puerto Alegre, no lado peruano da bacia do rio Jaquirana. Apesar destas informações, o Estado peruano até hoje não tomou nenhuma providência efetiva para a proteção de isolados, e tem seguido a política de concessões florestais madeireiras e a manutenção dos direitos de exploração para empresas petroleiras nas áreas em questão.

Segundo Nota técnica sobre a presença de isolados no alto Jaquirana elaborada pelo CTI, constam ainda informações sobre a ocupação contemporânea da região da bacia do rio Batã (um dos formadores do Jaquirana) e cabeceiras de afluentes do rio Jaquirana e Curuçá por índios isolados. No lado brasileiro desta área de fronteira, a Funai realizou pelo menos duas expedições em anos recentes. Os Matsés têm demandado ao órgão indigenista que oficialize as informações sobre a presença de isolados na bacia do Jaquirana a órgãos de Estado do Peru, e que dialogue com o governo daquele país para a proteção destes povos e para o atendimento das demais reivindicações prioritárias debatidas nos encontros binacionais.