Foto: Orpio

Delegação indígena do Vale do Javari participa de agenda pela proteção de povos isolados na fronteira Brasil-Peru

Na última semana, entre 12 e 16 de junho, representantes das organizações indígenas do Vale do Javari estiveram no Peru para apoiar uma articulação em defesa dos povos indígenas isolados nos dois lados da fronteira.

Bushe Matis e Manoel Chorimpa da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e Bene Dunu Matsés da Organização Geral dos Mayuruna (OGM), pelo lado brasileiro, participaram de uma série de agendas a convite da Organização Regional dos Povos Indígenas do Oriente (Orpio), que articula os povos e suas organizações no lado peruano. O consultor do Centro de Trabalho Indigenista, Hilton Nascimento, também participou da rodada de reuniões como assessor a convite da Univaja.

O motivo principal da visita foi demonstrar a preocupação das organizações indígenas do Vale do Javari diante da possibilidade de modificação da lei peruana (Lei N° 28736) para proteção de povos indígenas em situação de isolamento e contato inicial. Na terça-feira (13), a delegação do Vale do Javari participou de um fórum no Congresso da República do Peru com a participação de membros das organizações indígenas, congressistas e representantes dos ministérios da cultura e do meio ambiente no Peru.

A Terra Indígena Vale do Javari, território do maior número de povos isolados no mundo, tem uma grande extensão de fronteira com o Peru. Alguns destes grupos transitam pela fronteira e as alterações nas políticas de proteção nos países podem afetar essa dinâmica territorial.

Está em tramitação no Congresso do Peru um projeto de lei (N° 3518) que transfere para os governos regionais a competência, atualmente do Ministério da Cultura, na proteção desses povos. O projeto também prevê a participação dos governos regionais em uma comissão que seria criada para avaliar a continuidade ou a extinção das Reservas Indígenas que já existem, destinadas aos povos em isolamentos e contato inicial. Durante o fórum no Congresso da República, as organizações indígenas no lado peruano, com apoio da Univaja, pediram o arquivamento da proposta.

As mudanças deixariam a proteção dos indígenas isolados sujeita aos interesses políticos locais, abrindo mais espaço para influência de setores interessados na exploração de madeira e petróleo, além das obras de infraestrutura dentro dos territórios indígenas.

“A lei tem a intenção de exploração de madeira, de petróleo, de minérios, negando a existência dos povos isolados no lado do Peru e que pode ameaçar também no lado do Brasil”, avalia Bushe Matis, coordenador da Univaja.

Além disso, a proposta suspende os processos que já estão em curso para reconhecer a presença de povos em isolamento e estabelecer novas Reservas Indígenas, favorecendo a invasão de seus territórios e os contatos forçados que colocam em risco suas vidas.

O projeto de lei foi considerado pelo Ministério da Cultura e pela Defensoria Pública do Peru, bem como por organizações indígenas e da sociedade civil , como um grave retrocesso dos direitos indígenas previstos na Constituição peruana e em leis de proteção dos povos indígenas em isolamento e contato inicial.

Logo após a incidência da delegação do Vale do Javari junto aos congressistas, no início desta semana a Comissão de Povos Andinos, Amazônicos e Afroperuanos, Ambiente e Ecologia do Congresso no Peru decidiu arquivar o projeto de lei que altera a proteção de povos indígenas isolados. A proposta ainda não foi totalmente arquivada, já que ainda será discutida na Comissão de Descentralização, Regionalização, Governos Locais e Modernização da Gestão do Estado.

Desafio transfronteiriço
Além da incidência que pede o arquivamento da proposta de alteração na lei de proteção de povos indígenas isolados, a delegação indígena do Vale do Javari participou de agendas junto a outras organizações da sociedade civil e autoridades peruanas.

Junto ao Ministério da Saúde, as lideranças trataram da importância do diálogo entre os órgãos responsáveis pela implementação das políticas nos dois lados da fronteira.

“Os povos indígenas não têm fronteira, isso é uma coisa dos Estados. Os povos isolados podem ir e vir do lado do Peru e se as populações do entorno não estão vacinadas, eles podem pegar alguma doença do lado do Peru”, comenta Bushe Matis.

Manoel Chorimpa, liderança do povo Marubo que também participou da delegação, falou sobre as estratégias adotadas pelo movimento indígena no lado brasileiro para garantir medidas de proteção aos povos isolados.

“Nós entramos com uma medida no STF durante a pandemia porque o governo não estava dando atenção para os isolados. E o STF teve essa sensibilidade de acatar nossas solicitações para os isolados. A gestão passada não deu apoio porque quis, mas sim porque foi pressionada”, conta Chorimpa.

Foto: CTI

Em outra agenda, as lideranças do Javari estiveram reunidas com representantes da Perupetro, empresa estatal responsável pela criação e concessão de lotes de petróleo no Peru. O encontro tratou das preocupações sobre a criação de novos lotes na região do médio rio Javari que podem afetar o território de povos que estão nos dois lados da fronteira, como os Matsés, também chamados de Mayuruna no Brasil.

Junto com a Orpio, a Univaja e a OGM fazem parte de uma rede de organizações que propõem o Corredor Territorial Yavarí-Tapiche que considera as áreas protegidas e territórios indígenas dos dois lados da fronteira para propor políticas de proteção aos povos indígenas isolados e seu entorno.

“O corredor é importante pra nós no Brasil e no Peru. Em 2009 nós criamos a Binacional [reunião do povo Matsés] contra o petróleo para não aceitar”, lembra Bene Dunu Mayuruna.

A delegação participou ainda de reuniões com organizações que atuam na defesa de direitos humanos no Peru, com a Organização Pan-Americana da Saúde, com o Ministério da Cultura e com o Serviço Nacional de Áreas Naturais Protegidas pelo Estado (Sernamp) trazendo a perspectiva do Corredor Territorial e buscando abrir o diálogo para criação de políticas transfronteiriças nas áreas de saúde e de proteção territorial e ambiental.