Relatório da ONU apresenta grave situação dos povos indígenas no Brasil

Rafael Nakamura

Na última semana, o Relatório da missão ao Brasil da Relatora Especial sobre os direitos dos povos indígenas foi apresentado na 33ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (UNHRC) em Genebra, na Suíça. O documento foi elaborado a partir da visita da Relatora Especial, Victoria Tauli-Corpuz, que esteve no Brasil em março de 2016 para identificar e avaliar os assuntos mais importantes que atualmente enfrentam os povos indígenas, além de acompanhar as principais recomendações feitas em 2009 pelo anterior titular do mandato.

Durante a apresentação a Relatora Especial citou as disposições da Constituição Federal de 1988 como exemplares para a garantia dos direitos dos povos indígenas, mas ressaltou que “nos últimos oito anos que se seguiram à visita de meu predecessor, tem havido uma inquietante ausência de avanços”. O governo brasileiro, representado na sessão do Conselho pela embaixadora Regina Maria Cordeiro Dunlop, discorda da análise e das recomendações no relatório e diz que o país tem combatido fortemente a violência contra as populações indígenas, além de ter investido em educação e saúde.

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Victoria Tauli-Corpuz apresenta relatório sobre os direitos dos povos indígenas (Foto: Reprodução)

Em março de 2016, Victoria Tauli-Corpuz visitou comunidades no Mato Grosso do Sul, Bahia e Pará e se encontrou com representantes dos três poderes do Estado brasileiro para subsidiar suas análises sobre como estão sendo tratados os direitos dos povos indígenas.

O relatório dá especial atenção ao aumento da violência, que passou dos 92 casos de indígenas assassinados no ano de 2007 para 138 em 2014. No ano de 2015 o número de homicídios se manteve alto com um total de 137, destes 36 ocorreram no Mato Grosso do Sul, estado onde também ocorreram 45 dos 87 casos de suicídio de indígenas pelo país, segundo o Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2015, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

“Com frequência, os ataques e assassinatos constituem represálias em contextos de reocupação de terras ancestrais pelos povos indígenas depois de longos atrasos nos processos de demarcação”, diz o relatório da ONU.

Cita ainda os casos de práticas de tortura por forças policias e prisões arbitrárias de lideranças indígenas na luta pelos territórios tradicionais, principalmente no Mato Grosso do Sul e Bahia. “Na Bahia a Relatora Especial recebeu relatos detalhados de práticas de tortura e prisões arbitrárias. Funcionários e membros de órgãos estatais e organizações da sociedade civil que trabalham com povos indígenas também fizeram relatos perturbadores sobre um padrão regular de ameaças e intimidação por atores estatais e privados”, relata Victoria Tauli-Corpuz.

Os processos de demarcação

A relatora lista um conjunto de fatores para a estagnação dos processos de demarcação, tais como o enfraquecimento e redução de pessoal da Fundação Nacional do Índio (Funai); a falta de vontade política para concluir procedimentos de demarcação no nível ministerial e presidencial; a judicialização de muitos processos de demarcação por interesses escusos; e os esforços do Legislativo para reformar processos de demarcação e de modificar a legislação ambiental para facilitar a exploração de recursos em terras indígenas.

Como agravante, comenta o crescente uso do judiciário do mecanismo de suspensão de segurança que permite que projetos prossigam, mesmo que eles possam resultar em sérias violações de direitos dos povos indígenas e que o Estado não tenha cumprido com o seu dever de consultar para obter o consentimento livre, prévio e informado dos envolvidos.

Os principais exemplos acompanhados pela relatora são os casos da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte – que afeta diretamente 11 Terras Indígenas na região da bacia do rio Xingu – e do complexo de hidrelétricas no Tapajós, incluindo a UHE São Luiz do Tapajós, sobre o qual a relatora recebeu informações de dez povos diferentes distribuídos em 118 aldeias na bacia do Tapajós que seriam afetados pela obra.

Na opinião de Victoria Tauli-Corpuz, os povos indígenas do brasil enfrentam hoje os riscos mais graves do que em qualquer outro tempo desde a Constituição Federal de 1988. A relatora faz uma série de recomendações ao Estado brasileiro referentes à violência e discriminação racial; direitos territoriais; auto-determinação e consulta prévia; impacto de grandes obras; acesso à justiça e a capacidade dos órgãos governamentais; além de recomendações para outros atores não estatais.

No tema dos direitos territoriais recomenda que o governo brasileiro redobre os esforços para superar o atual impasse com relação à demarcação de terras, sendo especialmente urgente nos estados do Mato Grosso do Sul, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Victoria Tauli-Corpuz fala em “medidas para lidar com a judicialização de processos de demarcação e considerar apropriada compensação com relação à retomada de terras reconhecidas como terras indígenas na Constituição de 1988 e sobre as quais os governos estaduais ou federal tenham emitido títulos a pessoas privadas”.

Recomenda ainda que o governo complete “todos os processos de demarcação pendentes na Funai, Ministério da Justiça e Presidência, em particular aqueles ameaçados por projetos de desenvolvimento, expansão do agronegócio e atividades de extração de recursos naturais”.