ATL 2023: povos indígenas protestam contra projetos que ameaçam suas vidas

O 19ª Acampamento Terra Livre (ATL) começou nesta segunda-feira (24), em Brasília (DF). Com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação, não há democracia”, a maior mobilização indígena do país vai reunir mais de 6 mil indígenas, de mais de 200 povos, até a próxima sexta-feira (28) na Praça da Cidadania, no Eixo Monumental.

A primeira marcha do ATL mobilizou mais de 5 mil pessoas, que percorreram a Esplanada dos Ministérios até o Congresso Nacional contra os Projetos de Lei (PLs) que ameaçam e destroem a vida dos povos indígenas, perpetuando a violência institucional praticada há séculos pelo Estado.

Mais de 30 projetos anti-indígenas ou anti-ambientais tramitam no Congresso. Entre eles, o PL 490/2007, que permite que o governo tire da posse de povos indígenas áreas oficializadas há décadas, escancara as Terras Indígenas a empreendimentos predatórios, como o garimpo, e, na prática, vai inviabilizar as demarcações, já que aplica a tese do marco temporal – que condiciona o reconhecimento dos territórios tradicionais à sua ocupação em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

O PL 191/2020 abre as terras indígenas para mineração e outros projetos predatórios. Os PLs 2633/2020 e 510/2021 regularizam a grilagem de terras. Há ainda o PL 2159/2021, que acaba com o processo de licenciamento ambiental no país, prejudicando os povos indígenas, populações tradicionais e a conservação do meio ambiente.

O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021 ameaça o cumprimento da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O acordo estabelece, entre outros pontos, o direito à consulta prévia aos povos indígenas diante de empreendimentos ou decisões que afetem seus bens ou direitos.

“A gente tá lutando dentro de um cenário que o congresso está majoritariamente composto dos nossos inimigos históricos”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. “Mas também estamos vivendo um cenário em que governo federal vem dialogando, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, o protagonismo da Funai, com a Presidenta Joênia na primeira presidência indígena do órgão, a Secretaria de Saúde indígena com Weibe Tapeba, o primeiro indígena legitimado pelo movimento a ocupar aquele espaço. Esse protagonismo tem muito a ver com a nossa luta e resistência. Nós conseguimos essa conquista e o ATL de 2023 reafirma que continuaremos na luta”.

Congresso Nacional

Depois da marcha, lideranças indígenas participaram, no Congresso Nacional, da sessão solene em homenagem aos 19 anos de Acampamento Terra Livre, convocada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG).

Além da deputada, participaram da mesa a presidente da Funai, Joenia Wapichana, o Cacique Raoni, o coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá, Marciely Tupari, da Coiab, Braulina Baniwa, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), a presidente do Parlamento Indígena na Noruega, Silje Muotka, o secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.

“Depois de anos sem diálogo e presença indígena no Congresso, foi muito emocionante participar junto com nossos parentes, ocupar esse espaço entrando pela porta da frente, e não sendo barrados, como aconteceu tantas vezes nos últimos anos”, afirmou Dinaman Tuxá.

Na manhã de segunda-feira ocorreu ainda o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, na Câmara dos Deputados. A Frente é coordenada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), e no Senado, pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e tem como prioridade a promoção e a defesa dos direitos dos povos indígenas e o combate à mineração ilegal em terras indígenas. Participaram da cerimônia, representando a Apib, a coordenadora-secretária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Marciely Ayap Tupari, e a coordenadora da Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Eliane Xunakalo.

A programação do ATL inclui ainda debates sobre Educação Escolar Indígena, sobre a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, entre outras plenárias. Confira aqui na íntegra.

Edição 2022

Em 2022, o Acampamento Terra Livre reuniu em Brasília mais de 8 mil indígenas, de 100 povos diferentes e de todas as regiões do Brasil. Durante dez dias de programação, o ATL debateu o enfrentamento da agenda anti-indígena imposta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e o fortalecimento de candidaturas indígenas para o Congresso Nacional.

Após a mobilização, o movimento indígena aldeou a política com a Campanha Indígena e a eleição das deputadas federais Célia Xakriabá e Sonia Guajajara, articulou a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a retomada da Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), além de cobrar o arquivamento de projetos de leis que ferem os direitos dos povos originários como o PL 191/2020. Em fevereiro de 2023, a Apib apresentou uma petição ao Ministério dos Povos Indígenas e pediu que ele fosse rejeitado e arquivado. No documento, a Apib aponta irregularidades do PL em relação a Tratados Internacionais e a Constituição Federal. No dia 31 de março de 2023, o presidente Lula pediu ao Congresso que o projeto fosse rejeitado e arquivado.

O ATL é organizado pela Apib e construído em conjunto com suas sete organizações de base, sendo elas: Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), pela Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (Arpinsudeste), Comissão Guarani Yvyrupa, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho do Povo Terena e Assembléia Geral do Povo Kaiowá e Guarani (Aty Guasu).

Histórico

O primeiro ATL surgiu em 2004 a partir de uma ocupação realizada por povos indígenas do sul do país, na frente do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios. A mobilização ganhou adesão de lideranças e organizações indígenas de outras regiões do país, principalmente das áreas de abrangência da Arpinsul, COIAB e da APOINME, reforçando a mobilização por uma Nova Política Indigenista, pactuada no período eleitoral naquele ano.

Dessa forma, foram consolidadas as estruturas para a criação e formalização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), criada em novembro de 2005 como deliberação política tomada pelo Acampamento Terra Livre daquele ano.