Povos Indígenas do Brasil na COP25

Por CTI e IEB

Com apoio da Embaixada da Noruega, uma parceria entre Instituto Internacional de Educação no Brasil (IEB), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Centro de Trabalho Indigenista (CTI) levou a discussão sobre os direitos dos povos indígenas e a gestão territorial e ambiental de suas terras para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 25), que aconteceu entre os dias 2 e 13 de dezembro em Madri, na Espanha.

A COP25 já começou turbulenta. O evento deveria ocorrer na América do Sul, mas tanto os presidentes do Brasil quanto do Chile retiraram sua candidatura como país anfitrião. O primeiro, alegando restrições orçamentárias, e o segundo justificou que era momento de cuidar das manifestações populares que tomavam todo o país. Com isso, a Espanha se prontificou em ser anfitriã e, pelo terceiro ano consecutivo, a COP é realizada no continente europeu.

Apesar da mudança repentina, uma forte articulação entre APIB e organizações parceiras possibilitou uma diversa e numerosa participação indígena brasileira na COP25. Cerca de 30 lideranças estavam presentes, com participação expressiva de mulheres. Nas duas semanas da conferência, indígenas e seus parceiros ocuparam eventos, reuniões, articulações e manifestações. Em todos os espaços denunciaram o genocídio que está ocorrendo contra os povos indígenas do Brasil e exigiram o respeito aos seus direitos. Durante os eventos, convocaram o Dezembro Vermelho, demandando que providências sejam tomadas sobre o assassinato de mais duas lideranças indígenas do povo Guajajara, no Maranhão.

No dia 09/12, indígenas da delegação brasileira e latino americana, em parceria com o movimento Extinction Rebellion, fizeram uma manifestação na via de entrada do pavilhão onde ocorreu a COP 25, com grande repercussão na mídia internacional, denunciando os ataque aos direitos indígenas no Brasil e lembrando dos riscos que suas principais lideranças vem sofrendo.

Embora os indígenas tenham se empenhado em participar da COP 25, e mesmo após o Acordo de Paris já ter reconhecido os conhecimentos tradicionais de povos indígenas e comunidades locais como solução para a crise climática, ainda existe uma dificuldade em ampliar a participação indígena nos espaços oficiais. Não há presença efetiva de representantes indígenas nas negociações climáticas e suas organizações ainda enfrentam a burocracia administrativa da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) ao tentar se registrar como organização observadora.

Uma das maiores conquistas da incidência indígena global foi o estabelecimento da Plataforma de Povos Indígenas e Comunidades Locais. Nessa COP foi aprovado seu Plano de Trabalho, para o qual as atividades foram estabelecidas pelo Grupo de Trabalho Facilitador composto em paridade por membros indígenas e representantes de países, e com total participação de observadores indígenas e não indígenas. A despeito da Plataforma, a conferência não refletiu de forma pragmática os apelos da sociedade civil e científica clamando por emergência climática.

A COP25 teve a intenção de tomar medidas cruciais na operacionalização do Acordo de Paris, com as deliberações focadas principalmente no desenvolvimento de regras para os mercados de carbono, perdas e danos e crescente ambição de reduzir as emissões. No início da sessão, havia esperança de que os Estados se sentissem compelidos a responder a novas descobertas científicas assustadoras e à explosão da preocupação pública em 2019. No final, eles não foram capazes de atender às expectativas das organizações da sociedade civil.

O artigo 6, um dos principais do livro de regras do Acordo de Paris que estabelece diretrizes para o funcionamento do mercado de carbono, ficou em aberto, para ser finalizado na COP26, que ocorrerá em Glasgow – Escócia. A principal demanda dos povos indígenas e outros sobre o artigo é a total inclusão do respeito e cumprimento aos direitos humanos, incluindo os direitos dos povos indígenas. E, reconhecendo que não basta apenas a garantia dos direitos no papel, demandam também um mecanismo de ouvidoria independente no estabelecimento do mercado, para ter um canal de comunicação e queixa sobre a implementação de projetos que afetam diretamente seus modos de vida.

Em momentos de emergência climática, não há como negociar a vida dos que lutam para defender e proteger os territórios indígenas, que abrigam 82% da biodiversidade global. Sem respeito aos direitos indígenas, não há garantia de um clima equilibrado para a humanidade.

IEB e CTI na COP25

Durante a COP25 o IEB, o CTI e a APIB, contribuíram para a organização de três eventos com intuito de ampliar a participação dos povos indígenas no enfrentamento das mudanças climáticas, debatendo temas importantes nesse contexto:

Desafios à implementação dos planos de gestão territorial e ambiental no Brasil (PGTAs)

Com a participação das lideranças indígenas Francisco Pyako Ashaninka, Cristiane Pankararu e Joziléia Kaingang.
Habitantes dos biomas da Amazônia, Caatinga e Mata Atlântica, as lideranças indígenas falaram sobre a importância das políticas de gestão nos territórios indígenas do Brasil que consideram os saberes tradicionais na construção de uma ocupação sustentável do planeta. O apoio para a implementação deste importante instrumento de gestão dos territórios é fundamental para garantir sua proteção e uso sustentável. É fortalecendo diretamente a gestão que os povos indígenas já fazem nos seus territórios, por meio de suas organizações que se protege as florestas.

Mulheres indígenas pelo clima: luta e gestão territorial

Sonia Guajajara, Puyr Tembé, Telma Taurepang e Nyg Kuyta participaram da discussão. O evento teve como objetivo visibilizar as lideranças femininas do Brasil como protagonistas na gestão dos territórios e a sua importância para a conservação, uso sustentável dos recursos naturais e o enfrentamento às mudanças climáticas. A primeira marcha das mulheres indígenas do Brasil ocorreu em agosto de 2019 e foi um marco histórico na organização dessas lideranças na proteção e gestão dos seus territórios, com seu jeito próprio de contribuir para o equilíbrio do clima e de lutar e cuidar da manutenção das vidas dos povos indígenas.

Direitos Indígenas no Brasil e a luta pelo clima

Com a participação de Domingos Xakriabá, Sandro Kayapó, Jozileia Kaigang e Vastir Terena, o evento levou um panorama real sobre essa questão e sua importância em tempos de grave retrocesso de direitos conquistados e de esvaziamento de políticas públicas voltadas à proteção e à promoção do desenvolvimento desses povos. É preciso reconhecer que a garantia de direitos, especialmente o direito à terra é o primeiro passo na luta pela proteção dos territórios indígenas, essenciais para a manutenção das florestas e do clima em todo o mundo.

Os dois primeiros eventos aconteceram no Brazil Climate Action Hub, um espaço proposto por organizações não governamentais brasileiras, aberto a discussões sobre soluções e desafios da ação climática no contexto brasileiro e latino-americano. Para participar desse espaço, era necessário estar credenciado oficialmente pela UNFCCC, já que o pavilhão se encontrava dentro da chamada Blue Zone, onde também circulavam representantes de países e outros atores da sociedade civil.

O terceiro evento ocorreu no Pavilhão Indígena, (Green Zone), um ambiente de diálogo aberto com espaços dedicados a todos os atores da sociedade civil.

A participação não se restringiu aos eventos programados, os representantes indígenas e das organizações parceiras também participaram de rodas de debates sobre temáticas pertinentes aos povos indígenas e seus direitos.

Esperamos que a participação indígena e de seus parceiros nas próximas COPs continue rendendo frutos e que a  Plataforma de Povos Indígenas e Comunidades Locais seja efetiva, bem como os demais pontos da implementação do Acordo de Paris que afetam diretamente a vida e os territórios indígenas.