Crianças guarani na área onde as árvores foram cortadas (Foto: Pedro Biava)

Por que o empreendimento imobiliário próximo da Terra Indígena Jaraguá deve ser suspenso?

Entenda o motivo da ocupação da comunidade Guarani em área onde a Tenda Negócios Imobiliários S.A. quer construir um condomínio

Nesta quinta-feira (6/2), a comunidade guarani da Terra Indígena Jaraguá completa uma semana de ocupação em área próxima das aldeias situadas na região noroeste de São Paulo. A ocupação teve início em protesto contra o corte de centenas de árvores por iniciativa da Tenda Negócios Imobiliários S.A., que pretende construir num terreno de 8.624,59 m² o condomínio Reserva Jaraguá-Carinás com 396 apartamentos.

Na última sexta-feira (31/1) a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) suspendeu por uma semana a obra para que o Departamento de Licenciamento da Secretaria do Verde e Meio Ambiente tome conhecimento da legislação e as devidas providências pertinentes. Enquanto isso, a Tenda conseguiu na justiça uma ordem de reintegração de posse contra a comunidade, que decidiu seguir a ocupação em protesto. 

Para esclarecer a questão a assessoria jurídica do Centro de Trabalho Indigenista levantou as principais ilegalidades na forma como a Tenda Negócios Imobiliários S.A. conduziu o empreendimento até agora. 

Consulta ao órgão federal
O empreendimento da Tenda Negócios Imobiliários S.A. está a poucos metros dos limites da Terra Indígena Jaraguá. A área de 532 hectares foi declarada como de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya pelo Ministério da Justiça em 2015. Não existe, até o momento, nenhum processo aberto no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão federal responsável pelo licenciamento de empreendimentos em área de influência de uma Terra Indígena. 

Segundo a Portaria Interministerial n°60 de 2015, que regulamenta  atuação do Ibama no licenciamento ambiental, é necessária a consulta quando a atividade ou o empreendimento localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra indígena, e estabelece o limite de 8 quilômetros para empreendimentos pontuais, caso dos estabelecimentos imobiliários como o que a Tenda pretende construir.

Nesses casos, cabe ao responsável legal do empreendimento a elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA). Segundo o Termo de Referência do Ibama, o estudo envolve a definição da área de influência do empreendimento, o diagnóstico ambiental dessa área, a identificação e qualificação dos impactos ambientais decorrentes do empreendimento, avaliação desses impactos e a proposição de medidas para a mitigação, o controle e, até mesmo, a eliminação dos impactos.

Nos casos de empreendimento em Terras Indígenas o EIA-RIMA deve ser composto também pelo Estudo do Componente Indígena (ECI), no qual são identificados e analisados os impactos sociais, culturais e ambientais decorrentes da interferência do empreendimento. Em seguida, os estudos devem orientar um Plano Básico Ambiental (PBA) a ser executado pela empresa para garantir que a comunidade não seja impactada. Em todo o processo de licenciamento, a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas, da qual o Brasil é signatário, garante o direito das comunidades indígenas de serem consultadas a respeito do empreendimento. 

Autorização do órgão estadual
O local onde a Tenda Negócios Imobiliários S.A. pretende construir o condomínio de apartamentos também está próximo ao Parque Estadual do Jaraguá, Unidade de Conservação que está parcialmente sobreposta à Terra Indígena Jaraguá. 

O Plano de Manejo do parque define seu entorno como Zona de Amortecimento, destinada a conservação e restauração dos remanescentes florestais, do patrimônio histórico-cultural, dos mananciais e da paisagem ao redor, conforme definido pela Lei 9985 de 2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. O empreendimento da Tenda estaria dentro dessa zona. 

Ainda segundo o Plano de Manejo do Parque Estadual do Jaraguá, a Zona de Amortecimento serve para proteger a unidade de conservação de impactos negativos, difundir a melhoria da qualidade de vida das populações do entorno e coibir a instalação de empreendimentos e atividades impactantes sobre a unidade de conservação. 

Segundo a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) n° 428, de 17 de dezembro de 2010, o licenciamento de qualquer empreendimento que ultrapasse os limites da Zona de Amortecimento de uma Unidade de Conservação precisa ser aprovado pelo órgão estadual competente, neste caso a Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo (Fundação Florestal). Além disso, mais uma vez, a comunidade Guarani também deveria ser consultada, já que seus membros fazem parte do grupo de gestão do Parque Estadual do Jaraguá.

Não existe nenhum processo aberto na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) referente ao licenciamento do empreendimento da Tenda Negócios Imobiliários S.A.. Até o momento a empresa solicitou da Cetesb apenas um parecer técnico de avaliação preliminar e investigação confirmatória nos casos de área com potencial de contaminação, sendo o parecer favorável ao empreendimento. 

Suspensão na esfera municipal
Apenas na esfera municipal a Tenda Negócios Imobiliários S.A. seguiu as etapas legais considerando a lei de zoneamento que estabelece a área como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). 

Inicialmente a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) firmou com a empresa um Termo de Compromisso Ambiental e os alvarás de aprovação e execução para a obra. Porém, após a mobilização da comunidade guarani que passou a solicitar informações do órgão municipal, a SVMA decidiu pela suspensão da obra por uma semana, prazo que termina na próxima sexta-feira (7/2).