Reza na aldeia Curva Guarani (Foto: Clovis Brighenti)

Nos 30 anos de Constituição Federal, comunidade Guarani sofre ameaça de despejo

Por Rafael Nakamura / CTI

Na última quarta-feira (3), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou o cumprimento de ordem de reintegração de posse na aldeia Curva Guarani, município de Santa Helena, Oeste do Paraná. O despejo pode deixar desabrigados cerca de 20 indígenas, de 8 famílias, dentre eles uma criança recém nascida de um parto com complicações. O processo é movido pela Itaipu Binacional que detém títulos de posse sobre áreas reivindicadas como território tradicional Guarani.

A decisão do TRF4 foi assinada pelo desembargador Luis Alberto Azevedo Aurvalle apenas dois dias antes do dia 5 de outubro, data que marca a promulgação da Constituição Federal de 1988. Após 30 anos da aprovação do texto, que no Artigo 231 garante aos povos indígenas o direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, a região Oeste do Paraná enfrenta uma situação na qual processos de reintegração de posse movidos pela Itaipu Binacional colocam famílias do povo Guarani em risco.

“Eu resolvi entregar minha vida em nome da comunidade. Em nome da minha mãe, de 65 anos de idade, que mandaram ir embora na época que a Itaipu estava construindo e até agora estamos lutando por nossos direitos. Vou entregar minha vida principalmente para a Itaipu que está mandando a reintegração de posse. Eu resolvi só sair daqui morto”, diz o cacique Lino Cunumi Pereira, liderança da aldeia Curva Guarani.

Além da aldeia Curva Guarani outras duas aldeias, Pyahu em Santa Helena e Yva Renda no município vizinho de Itaipulândia, estão ameaçadas por pedidos de reintegração em nome da Itaipu Binacional. No caso da aldeia Pyahu o TRF4 decidiu suspender a ordem de reintegração até nova apreciação do desembargador responsável. Já no caso da aldeia Yva Renda o processo está suspenso por 30 dias até que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) consiga identificar uma área que possa abrigar a comunidade.

O caso mais preocupante para as comunidades é o da aldeia Curva Guarani que pode sofrer um despejo a qualquer momento. Em sua decisão, o desembargador Luis Alberto Azevedo Aurvalle autoriza o despejo ainda que a comunidade não tenha um destino claro, agravando a situação de vulnerabilidade dos indígenas.

“Destaco que, não desconheço precedente de Relatoria da Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, no AI nº 5032224­24.2018.4.04.0000/PR, condicionando a ordem de desocupação à transferência dos indígenas pela FUNAI, entretanto, penso que a providência, embora tente buscar uma solução menos traumática para o litígio, pode servir de estímulo a novas invasões”, diz trecho da decisão de Aurvalle.

Sem a condição de que a FUNAI encontre um local que abrigue a comunidade, o cacique Lino Cunumi diz que comunidade está apreensiva com o que pode acontecer com crianças e idosos da aldeia Curva Guarani.

“Eu não sei como o Juiz e a Itaipu estão vendo a situação, porque nós não somos animais, a gente tem o direito.  Eu não sei o que eles estão pensando, o que significa para eles povo indígena”, lamenta Lino Cunumi.

“Eu fiquei muito feliz que as crianças estão nascendo na aldeia, mas muita gente não pensa nisso, principalmente a Itaipu e a Justiça que não estão entendendo. Não precisa mexer nada com a minha comunidade, com as crianças, os jovens, idosos principalmente. Tem criança recém nascida que a mãe está em estado de choque de receber essa notícia. Queria que a Justiça Federal deixasse minha comunidade em paz. As crianças que estão morando aqui nem sabem o que está acontecendo, estão brincando nesse momento”, completa o cacique.

Nas áreas das aldeias atuais está o pouco que sobrou de Mata Atlântica preservada das áreas tradicionalmente ocupadas pelo povo Guarani. Muitas das áreas de aldeias antigas foram alagadas durante a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.

Estudos antropológicos feitos a pedidos da Justiça Federal de Foz do Iguaçu, pela antropóloga Maria Lucia Brant de Carvalho, estimam que ao menos 32 aldeias tiveram que ser abandonadas no período entre 1940 e 1982, período entre a criação do Parque Nacional do Iguaçu (1939) e o alagamento para formação do lago Itaipu (1982).

Recentemente a FUNAI publicou no Diário Oficial da União a portaria que constitui o Grupo de Trabalho responsável pelos estudos de identificação e delimitação de uma Terra Indígena na região. Enquanto isso, as comunidades indígenas aguardam apreensivas o desfecho dos processos de reintegração de posse.