Juventude do povo Terena se reúne em sua VIII Grande Assembleia

por | fev 17, 2025 | Notícias

O encontro é um importante espaço de mobilização, formação e fortalecimento da juventude indígena do povo Terena na defesa de seus territórios e direitos

Por Tiago Kirixi Munduruku/CTI

A juventude do povo Terena esteve reunida em sua VIII Grande Assembleia, entre os dias 06 a 09 de fevereiro na Aldeia Brejão, na Terra Indígena (TI) Nioaque, município de Nioaque (MS). O evento reuniu jovens Terenas de Terras Indígenas (TIs) do Mato Grosso do Sul e de São Paulo, além  de representantes dos povos Kaiowá, Guarani Nhandeva, Kadiwéu e Kinikinau. O encontro é um importante espaço de mobilização e formação sobre direitos indígenas, fortalecendo a articulação da juventude indígena na defesa de seus territórios.

A cerimônia de abertura foi marcada por apresentações culturais, incluindo a emblemática dança da Ema, executada pelos guerreiros Terena. A força e a espiritualidade dos rituais trouxeram simbolismo e inspiração para o início das atividades.

Jovens lideranças ressaltaram a importância do encontro para a união dos povos indígenas e a continuidade da luta por seus direitos diante dos desafios enfrentados em suas comunidades. “É fundamental manter nossa mobilização e preservar nossas tradições”, afirmou Adevair Terena, representante da juventude Terena de Nioaque.

Como símbolo da união e esperança dos povos presentes, foi realizado o plantio de uma muda de jatobá, árvore sagrada do povo terena, conhecida por sua resistência. “Que ela cresça forte, assim como a nossa luta”, completou Adevair.

A Assembleia incluiu debates de temas como educação, saúde mental, políticas públicas, território, e atividades culturais, fortalecendo o protagonismo da juventude indígena na construção de um futuro mais justo e sustentável.

Saúde Mental

Durante a mesa de saúde, foi lançado o programa “Inspira Jovem”, uma iniciativa voltada à promoção da saúde mental dos jovens sul-mato-grossenses. A mesa contou com a participação de representantes da Secretaria de Estado da Cidadania do Mato Grosso do Sul e lideranças indígenas.

O programa tem como objetivo fomentar estratégias integradas de promoção, prevenção, acolhimento e fortalecimento das ações voltadas para a juventude, através da articulação entre órgãos governamentais, iniciativa privada, sociedade civil, conselhos de direitos e outras entidades.

A criação do “Inspira Jovem” surge como resposta aos crescentes índices de suicídio, depressão e ansiedade, agravados pela desigualdade social e pelo limitado acesso aos cuidados de saúde mental. Estudos, incluindo pesquisas da Fiocruz, destacam que os casos de suicídio entre a população indígena são alarmantes, com as maiores taxas concentradas nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul.

Guilherme Figueiredo Terena, representante da juventude Terena, destacou a importância do tema discutido no evento, enfatizando os desafios enfrentados pelos jovens indígenas em diferentes territórios.

“Esse é um tema muito importante. Nós, como jovens, estamos sofrendo, não apenas no meu território, mas também em outros, como os dos parentes Guarani Kaiowá e Nhandeva. Por isso, é essencial estarmos presentes, ouvindo atentamente as palestras, pois se trata de uma questão delicada para nós, jovens, e futuros líderes”, afirmou Guilherme.

Ele ressaltou ainda a necessidade de fortalecer a mentalidade e a espiritualidade da juventude indígena para enfrentar os desafios da luta coletiva. “Precisamos aprender a lidar com nossa mente e nossa espiritualidade para seguirmos na luta, não apenas por um povo, mas por todos os povos”, concluiu Guilherme Terena.

Durante o evento, os participantes discutiram a importância de levar ações como essa para dentro dos territórios indígenas. Uma das propostas apresentadas foi a criação de um Comitê para o fortalecimento da identidade da juventude Terena, buscando promover empoderamento comunitário e fortalecer a união para o enfrentamento dos desafios cotidianos.

Ao final da cerimônia, foi distribuída uma cartilha sobre saúde mental voltada à juventude indígena, com versões nos idiomas Guarani, Terena e Kadiwéu.

Etnoterritório

No decorrer da programação da Assembleia, foi realizada uma mesa de discussão sobre “Etnoterritório”. O encontro teve como objetivo promover um mapeamento participativo, com a criação de um desenho comunitário que retratasse aspectos ambientais e culturais de cada território Terena.

A atividade proporcionou uma reflexão coletiva sobre a geografia local, destacando a localização de rios, a presença de áreas preservadas e a expansão do desmatamento ao redor das aldeias. Além de estimular a memória histórica do território, a prática ajudou os jovens a compreenderem como o espaço foi transformado ao longo do tempo.

Durante a discussão, questões sensíveis vieram à tona, como a superlotação de algumas comunidades, que já não comportam o crescimento populacional. Foi destacada a preocupação de muitos jovens que, no futuro, poderão enfrentar dificuldades para construir suas próprias casas devido à falta de espaço disponível.

A mesa também trouxe à reflexão a delimitação oficial dos territórios, que, segundo os participantes, não corresponde à real extensão tradicional das terras ocupadas pelo povo Terena. O mapeamento simbólico buscou fortalecer a consciência territorial da juventude, evidenciando relatos e provas históricas que confirmam a amplitude dos espaços pertencentes às comunidades indígenas.

A atividade reforçou a importância de preservar a memória e os recursos naturais, além de fortalecer a luta pelo reconhecimento e ampliação dos territórios tradicionais.

Desfile

Na noite de sexta-feira (7), a 8ª Grande Assembleia da Juventude Terena foi marcada por um desfile indígena que encantou os participantes. Jovens indígenas desfilaram com orgulho, exibindo a beleza de seus traços, vestimentas tradicionais e adereços carregados de histórias ancestrais.

O evento, além de um momento de celebração, teve um forte simbolismo cultural, reafirmando a força da identidade do povo Terena e a importância da preservação de suas tradições. Cada peça apresentada na passarela refletiu a conexão com a ancestralidade e a resistência dos povos indígenas diante dos desafios contemporâneos.

Para os organizadores, o desfile foi uma forma de mostrar ao mundo a riqueza cultural dos Terena, valorizando a juventude como guardiã das tradições e da história do povo. O momento inspirou os presentes e fortaleceu o compromisso de manter vivas as raízes culturais para as futuras gerações.

Participação do MPI

Ao longo da Assembleia, foi realizada a mesa com as autoridades do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Conselho do Povo Terena, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), convidados e demais lideranças presentes. Na oportunidade, os participantes discutiram o fortalecimento cultural, a luta por direito e os desafios enfrentados pelos povos originários, especialmente no Mato Grosso do Sul.

Em seu discurso, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Eloy Terena, destacou a importância de trazer jovens de diferentes povos para compartilhar suas experiências. “Nossa trajetória pode inspirar outros jovens. Precisamos olhar para o passado para entender onde queremos chegar e como trilhar esse caminho juntos”, afirmou Eloy.

Ele relembrou a primeira Assembleia da Juventude Terena, realizada no Bananal, cujo tema foi “O despertar da juventude Terena para os seus direitos”. “A juventude não acompanhava esse processo. Mas os direitos não caem do céu. De lá para cá, os caciques passaram a incentivar seus jovens a ingressarem na universidade, e tudo isso foi fruto de muita luta”, destacou Terena.

Diante dos desafios enfrentados pelos povos indígenas, a discussão também abordou estratégias para garantir dignidade e espaço na sociedade sul-mato-grossense. A educação e a pauta das mulheres foram apontadas como pilares fundamentais desse fortalecimento.

Educação

A presença indígena nas universidades foi um dos principais temas debatidos na mesa de educação. A mesa ressaltou a importância da organização estudantil, do fortalecimento das políticas de permanência e da representatividade indígena dentro e fora do ambiente acadêmico.

Durante a fala do coordenador do Conselho do Povo Terena, Alberto Terena, os acadêmicos presentes foram convidados a se levantar, simbolizando a crescente presença indígena nas instituições de ensino superior. “Sozinhos não conseguimos avançar. Mas, se soubermos onde cobrar e da forma correta, podemos garantir mais conquistas”, afirmou Alberto.

A discussão abordou a necessidade de fortalecer políticas como a Bolsa Permanência e a participação dos povos indígenas nos espaços de decisão, como o Fórum de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso do Sul (FOREEIMS). Também foi destacado o papel da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, que hoje conta com a participação de Daniela Terena, atuando como elo entre o Ministério da Educação (MEC) e as comunidades indígenas.

Embora os desafios ainda sejam grandes, houve avanços no acesso ao ensino superior. “Hoje a trajetória está menos difícil, mas precisamos continuar fortalecendo a luta. Nossas lideranças têm um papel fundamental nesse processo. Elas possuem conhecimento e experiência dentro das comunidades e devem estar conosco nessa construção”, pontuou Alberto.

A educação indígena foi outro ponto central do debate. Foi mencionada a experiência da comunidade Buriti, onde o diploma é valorizado para a atuação fora do território, mas dentro dele as decisões são construídas coletivamente. “Aqui dentro, discutimos de igual para igual. Precisamos continuar ouvindo nossos anciões e lideranças para fortalecer nossas lutas, tanto dentro quanto fora das comunidades”, diz Alberto.

A assembleia reforçou ainda a necessidade de incluir os mais velhos no processo educacional. “Precisamos colocar nossos anciões dentro das escolas. O conhecimento tradicional deve caminhar junto com o conhecimento acadêmico”. O recado final foi direcionado aos jovens indígenas: “Se preparem, estudem. Nossas comunidades só crescerão se tivermos representações fortes nos espaços de decisão. O futuro da educação indígena depende do nosso compromisso com a luta”, concluiu Terena.