Por Tiago Kirixi Munduruku/CTI
A Aldeia Bananal, no município de Aquidauana (MS), se transformou entre os dias 13 e 16 de julho em um espaço de intensa troca de saberes. O 1º Módulo de Formação de Agentes Ambientais Terena, parte do projeto Koyónoti Vemeuxá: formando agentes ambientais Terena, com apoio do FundoECOS, reuniu 27 participantes para tratar de gestão territorial, preservação ambiental e fortalecimento cultural.
O projeto, que teve um primeiro ciclo entre 2022 e 2024, agora inicia uma nova etapa. O primeiro módulo desta fase abordou direitos indígenas e legislação indigenista, tendo como professor convidado o advogado e professor Maurício Terena. A proposta é que jovens indígenas atuem como “guardiões” do território, com funções semelhantes às de agentes de saúde e saneamento, mas focadas na proteção ambiental.






Desde a primeira manhã, o clima foi de compromisso coletivo. “Esse é um momento de aprendizado, que não é um conhecimento para guardar para si, e sim para semear”, disse o diretor e liderança Luís Terena. “Um dia alguém plantou uma ideia na nossa mente; sejam árvores que deem frutos.”
O cacique Célio Terena, anfitrião da aldeia, destacou a presença de lideranças experientes: “Temos aqui o conhecimento vivo da nossa caminhada. Sejam bem-vindos à Aldeia Bananal”.
História contada pelos que viveram
Uma das atividades mais marcantes foi a construção coletiva de uma linha do tempo do território Taunay-Ipegue. Anciãos e lideranças remontaram mais de um século de história, desde a chegada de missionários em 1910 e a primeira Santa Ceia na Aldeia Bananal, passando por períodos de forte controle estatal durante o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), até as retomadas de terras nos últimos anos.
As narrativas revelaram momentos de tentativa de desterritorialização. Nos anos 1970, por exemplo, o então presidente Ernesto Geisel visitou a região supostamente para inaugurar energia elétrica, mas lideranças acreditam que havia um plano de urbanizar e descaracterizar a comunidade. “O interesse do governo seria transformar os Terena em mão de obra barata”, resumiu um relato.






O exercício histórico incluiu a lembrança de processos de cisão comunitária, criação de aldeias, fundação de escolas, disputas eleitorais internas, formação do Conselho Terena em 2012 e retomadas como a da Aldeia Esperança (2013), Maria do Carmo (2014) e ações em massa em 2015 e 2016, que envolveram dezenas de comunidades.
As visitas a locais citados nas histórias reforçaram o vínculo entre memória e território, aproximando gerações e consolidando o entendimento de que a defesa da terra começa pela preservação da própria história.
Diagnóstico das ameaças
Em atividades coletivas, os participantes mapearam as principais ameaças ambientais e socioculturais. Entre elas, o avanço da soja, que além do desmatamento utiliza agrotóxicos; queimadas recorrentes; degradação do solo; falta de abastecimento de água; assoreamento de rios; perda de árvores nativas; poluição; e conflitos com fazendeiros.
“A ideia do Terena não é desmatar 10 ou 15 hectares para plantar soja. Nós somos da subsistência, plantamos para comer”, afirmou um jovem. Outro lembrou que o curso é uma forma de fortalecer vínculos intergeracionais: “Nós vamos ser a ferramenta da nossa comunidade”.






Também surgiram preocupações com a perda da língua materna e a introdução de alimentos industrializados e sementes transgênicas. O ancião Élcio alertou que trabalhar em fazendas fora do território, muitas vezes com baixa remuneração, tem levado jovens a retornarem com vícios e hábitos que enfraquecem os costumes.
Educação e autonomia política
Os debates avançaram para o campo da educação escolar indígena. Professores denunciaram a baixa carga horária para o ensino da língua Terena, apenas 50 minutos por semana, e a presença de diretores não indígenas nas escolas da TI. “A escola não tem nada a ver com nossa cultura. O regimento não é o que construímos”, disse uma liderança.
Maurício Terena relacionou essas questões ao não cumprimento da Constituição: “Esses direitos estão sempre em disputa e nunca serão entregues sem luta”. Ele apresentou conceitos como plurinacionalismo, autonomia, pluralismo jurídico e a importância de ocupar espaços políticos para garantir que leis e políticas respeitem as especificidades dos povos indígenas.






“Precisamos ocupar esses espaços, mesmo que estejam cercados de racismo e preconceito. Os antigos conquistaram direitos em uma época mais difícil. Hoje cabe a nós continuar avançando, com nossa cultura e idioma”, reforçou.
Próximos passos
O módulo terminou com o planejamento das próximas etapas: expedições em setembro e outubro, na TI Taunay-Ipegue, TI Buriti e Cachoeirinha; para fevereiro de 2026, um módulo sobre processamento de dados e pesquisa; e a previsão de que a aula final e a formatura ocorram em julho de 2026.
Os agentes ambientais também escolheram as cores de seus uniformes, marrom e amarelo, e definiram ajustes no logotipo.
O curso, realizado na Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Professor Domingos Veríssimo Marcos – Mihin, faz parte da elaboração e implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) Terena e busca formar uma rede de jovens qualificados para monitorar, proteger e articular políticas que garantam a sobrevivência física, cultural e espiritual do povo Terena.