III Encontro Kanamari discute problemas e carências nas aldeias

CTI

Entre o final de maio e início do mês de junho (27/05 a 02/06), representantes do povo de recente contato Tyohom-dyapah e do povo Kanamari de 29 aldeias distribuídas entre as bacias hidrográficas do rio Jutaí, Juruá, Itacoaí e Javari estiveram reunidos na aldeia Jarinal, Terra Indígena (TI) Vale do Javari, para a realização do III Encontro Kanamari. O Encontro foi organizado pela Associação do Povo Kanamari do Vale do Javari (AKAVAJA), com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e marca a continuidade do fortalecimento da articulação interna do povo Kanamari.

Respondendo à dispersão provocada ao longo de sua história de contato, o povo Kanamari tem nos últimos anos intensificado a articulação entre as diferentes aldeias para o fortalecimento de sua organização política e fomentado o intercâmbio de informações, experiências, cantos, histórias e práticas rituais. “O povo Kanamari é um só, mas vivemos realidades diferentes em cada uma das regiões em que vivemos. Fazemos nossos encontros para nos organizarmos politicamente, fortalecermos nossa cultura para então, juntos, podermos nos ajudar”, explica Todah Kanamari, presidente da AKAVAJA.

Veja notícia sobre o encontro anterior: Tüküna Hinük – O Povo Kanamari reunido! (07/07/2014)

Um resultado desta crescente mobilização foi a criação durante a reunião de uma nova organização indígena do povo Kanamari, o Conselho Indígena dos Kanamari do rio Jutaí e Juruá (CIKAJU), que busca fortalecer a articulação entre as aldeias Kanamari localizadas nos rios Juruá e Jutaí e trabalhar na defesa de seus direitos.

Encontro na aldeia Jarinal reuniu representantes de 29 aldeias do povoTyohom-dyapah e do povo Kanamari (Foto: Victor Gil).

Durante o encontro, foram discutidas questões importantes para o bem-estar do povo Kanamari, como o compartilhamento territorial com povos isolados do entorno e a gestão do território Kanamari, a organização política das aldeias e também problemas que consideram prioritários, como a ineficiente atuação da SESAI nas aldeias, a ausência de uma efeitiva atuação da Funai e a dificuldade de implementar a Educação Escolar Kanamari junto ao governo.

Nas aldeias Kanamari da região do rio Juruá é agravante a alta mortalidade infantil. Segundo dados oficiais da SESAI, nos últimos seis anos, de 657 crianças nascidas vivas, 102 vieram a óbito, o que equipara a taxa de mortalidade infantil da região às piores de todo o mundo. O atendimento de saúde prestado pela SESAI nesta região, através do DSEI Médio rio Solimões e Afluentes, é ineficiente: falta profissionais, estrutura, medicamentos, comunicação por radiofonia e insumos para remoções médicas.

A situação de saúde é também grave entre os Tyohom-dyapah, que vivem na aldeia Jarinal, alto rio Jutaí. A partir das denúncias feitas em 2014 pela Comissão Kanamari e a AKAVAJA, o Ministério Público Federal instaurou um Inquérito Civil Público para apurar a omissão da SESAI ao atendimento em saúde à população Tyohom-dyapah. Como resposta, a SESAI apresentou um plano de trabalho junto a este povo – que não foi cumprido –, e desde então mais dois indivíduos Tyohom-dyapah vieram a óbito: um adulto e uma criança recém-nascida. Nos últimos seis anos, nove indivíduos do povo Tyohom-dyapah vieram a óbito, entre crianças, adultos e idosos.

Tyaba Aro Tyohom-dypah (centro), chefe de seu povo, pede a presença da Funai e de atendimento de saúde na aldeia (Foto: Victor Gil).


O povo Tyohom-dyapah manteve contatos esporádicos com os Kanamari e a população não-indígena que vivia na região do alto rio Jutaí entre as décadas de 1950 e 2000, período em que sofreram um forte decréscimo populacional provocado por doenças, pelas epidemias sanitárias que atingiram a região nos anos 80 e por conflitos com outros povos que vivem em situação de isolamento voluntário na região. Há poucos anos passaram a residir juntamente com os Kanamari, buscando evitar seu desaparecimento. Atualmente somam apenas 36 indivíduos e, devido à sua fragilidade epidemiológica, continuam sofrendo um decrescimento populacional por mortes ocasionadas por enfermidades que poderiam ser evitadas através de um tratamento adequado de saúde. Sem acesso a atendimento em saúde, sem domínio dos códigos da sociedade não-indígena e sem qualquer atenção do órgão indigenista oficial, o povo experimenta uma indefinição acerca de seu futuro.


Outra questão muito discutida foi a ausência da atuação do órgão indigenista oficial junto aos Kanamari nestas regiões. A região do Juruá e alto Jutaí está sob jurisdição da Coordenação Regional (CR) Vale do Javari, que dispõe de apenas uma Coordenação Técnica Local (CTL) e um funcionário para atender aproximadamente 5 mil indígenas (entre Kanamari, Deni e Madiha), distribuídos em cerca de 70 aldeias. Faltam recursos humanos, insumos e estrutura para uma ação adequada. Crescem o número de invasões e intrusões nas terras indígenas, que ameaçam não só o território Kanamari mas também o dos povos isolados que vivem no entorno. Esta ausência facilita o contexto hostil que os Kanamari enfrentam nas cidades da região no que tange ao acesso a seus direitos básicos, como a saúde e a cidadania.

Um exemplo da falta de acesso adequado a estes direitos é a dificuldade dos Kanamari em obterem e implentarem uma educação escolar de qualidade nas aldeias. Cientes de que através das escolas eles podem preparar seu povo para trabalhar em defesa de seus direitos, os Kanamari buscam reverter o quadro de ausência de escolas estruturadas nas aldeias, de formação de professores e de materiais didáticos bilíngues.

Acesse abaixo os documentos finais do encontro:

– Carta do Povo Kanamari à Funai

– Saúde do Povo Kanamari

– Carta sobre a Educação Escolar Indígena Kanamari