Por Fernando Ralfer / CTI
Colaboração de Tainar Kanela
Entre os dias 27 e 31 de outubro, mulheres Krahô e Apinajé reuniram-se no Centro Timbira de Ensino e Pesquisa Pënxwyj Hëmpejxà, em Carolina (MA), para um Encontro Formativo voltado ao fortalecimento do diálogo intercultural sobre saúde, cuidado e bem-viver das mulheres indígenas. O evento valorizou os saberes tradicionais e promoveu trocas com políticas públicas de saúde e proteção, por meio de rodas de conversa, debates e partilhas de experiências.
A atividade integra o ciclo de Encontros Formativos do Programa de Educação em Saúde Timbira e surgiu da demanda das mulheres Krahô e Apinajé por um espaço seguro e acolhedor de diálogo sobre saúde e cuidado. A iniciativa busca fortalecer a participação feminina nas políticas públicas e reforçar a perspectiva intercultural da atenção básica nos territórios Timbira.
O encontro contou com a presença de representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Universidade de Brasília (UnB) e de profissionais de saúde do povo Xakriabá (MG), ampliando o intercâmbio entre mulheres indígenas do Cerrado.






O primeiro dia foi marcado por dinâmicas de integração e por uma mesa de discussão sobre o aumento da violência de gênero, a precariedade da assistência à saúde e a interferência de pessoas não indígenas nas estruturas comunitárias. Relatos denunciaram mortes de mulheres, crianças e gestantes por falta de atendimento adequado, além de casos de feminicídio. À tarde, anciãs compartilharam saberes sobre medicinas tradicionais, cuidados no resguardo e práticas de prevenção, reforçando o valor dos remédios tradicionais e dos conhecimentos ancestrais que sustentam a saúde e o equilíbrio espiritual dos povos indígenas.
Para Creuza Prukwyi Krahô, liderança do povo Krahô, o encontro representa um espaço essencial para que as mulheres possam se expressar livremente. “Eu fico contente de ver as mulheres abrindo o peito, falando o que elas querem falar, falando o pensamento delas. E é isso que esse encontro está trazendo, são todas essas palavras, pensamentos, memórias…”, explica.
No segundo dia, as participantes refletiram sobre as diferentes fases da vida da mulher indígena e realizaram uma dinâmica sobre violência, debatendo coletivamente suas causas e formas de enfrentamento. Quatro grupos de trabalho apresentaram relatos sobre as violências nas aldeias, destacando o impacto do alcoolismo. Também foi apresentado o Dossiê das Mulheres Indígenas, seguido do anúncio da criação da Casa da Mulher Indígena, proposta pela Funai para acolhimento e apoio às vítimas de violência.
As atividades do terceiro dia contaram com a participação das mulheres intercambistas do povo Xakriabá, que compartilharam experiências sobre a saúde indígena e alertaram para o aumento dos casos de adoecimento mental entre mulheres e jovens. As profissionais de saúde reforçaram a importância do Outubro Rosa, incentivando o autocuidado e os exames preventivos. À tarde, as mulheres se dividiram em quatro rodas temáticas — práticas tradicionais de saúde, cuidados com jovens e crianças, saúde mental e participação política —, encerrando o dia com trocas e a construção de estratégias de fortalecimento comunitário.






Simone Xakriabá destacou a importância de espaços de fala e escuta entre as mulheres: “Esse é um momento das mulheres também conseguirem expor o que estão sentindo e trocar experiências. Trazer o seu saber de dentro das aldeias e ampliar esse leque de conhecimentos, para que a gente possa, de fato, fortalecer a nossa luta. Porque a mulher é sempre a base da casa, das aldeias, e é muito importante a gente trazer os nossos sentimentos também para dentro desses espaços”, explica.
Já para Marlúcia Apinajé, o encontro foi uma oportunidade especialmente transformadora para aquelas que nunca haviam deixado o território. “Esse encontro está sendo muito importante para nós mulheres Apinajé e Krahô, principalmente para aquelas mulheres que nunca saíram do seu território… está ajudando elas a romper o medo, a romper a timidez. Então, a gente está tendo a oportunidade de ouvir e passar experiência uma para a outra. Mas o que está sendo mais impactante para nós é a inspiração, né, uma inspirando a outra.”
O último dia foi de celebração e união, com vivências que reafirmaram os laços entre as participantes e o vínculo com os saberes tradicionais. Houve coleta de plantas medicinais nas proximidades do Pënxwyj Hëmpejxà, feira de sementes e atividades culturais, como cantos, corrida de toras e o preparo do paparuto/berubu, comida típica dos Timbira que simbolizou a partilha e o encerramento coletivo do encontro.
No encerramento, as mulheres assinaram a Carta Final do Encontro, documento que defende a valorização das medicinas tradicionais, dos cuidados de resguardo e da alimentação saudável, além de reivindicar melhorias urgentes na atenção básica à saúde, com mais profissionais, especialmente mulheres e psicólogas; transporte e estrutura adequados. A carta também alerta para o agravamento das doenças crônicas, do sofrimento mental e dos impactos das mudanças climáticas, como desmatamento e uso de agrotóxicos, que afetam diretamente a saúde e a alimentação nas aldeias.






Entre os encaminhamentos, destacam-se ações de fortalecimento cultural, como o incentivo às práticas dos mehin e dos panhi, às pinturas, cantos, festas e à transmissão da língua, além da formação de jovens e mulheres em práticas indígenas de saúde e da criação de espaços de acolhimento às vítimas de violência. As participantes também defenderam maior participação política das mulheres, o fortalecimento de pajés, parteiras e conhecedores tradicionais e a proteção dos territórios.
O Encontro Formativo é uma iniciativa do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e da Associação Wyty-Catë das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins, no âmbito do projeto “Território e Saúde: Olhares e estratégias Guarani e Timbira”, com apoio do Fundo Amazônia.

