Diálogos Indígenas para a Proteção Territorial: Povos indígenas do Brasil e Estados Unidos realizam intercâmbio

Entre os dias 8 e 13 de novembro de 2022, ocorreu o encontro “Diálogos Indígenas para a Proteção Territorial”, no Centro Timbira de Ensino e Pesquisa Penxwyj Hempejxà, em Carolina – MA, tendo como objetivo o compartilhamento de experiências entre indígenas do Maranhão, norte do Tocantins e dos Estados Unidos sobre desafios e estratégias para a gestão e proteção dos territórios indígenas. 

Dentre os participantes, estiveram presentes representantes dos povos Timbira (Krahô, Apinayé, Krikati, Gavião Pyhcop Catiji, Apanjekrá – Canela, Memortumré – Kanela), Guajajara – Tenetehara, Pueblo of Laguna (Novo México), Quapaw Nation (Oklahoma), Keweenaw Bay Indian Community (Michigan), Huslia Tribe (Alasca), Cherokee Nation of Oklahoma e Tolowa Dee-ni” Nation (Califórnia).

O intercâmbio contou com painéis temáticos e mesas de debates, nos quais foram discutidos os distintos contextos e desafios de gestão e proteção das terras indígenas, abarcando questões relacionadas às disputas fundiárias, pressões da atividade madeireira ilegal, avanço do agronegócio, invasões de caçadores e pescadores, mudanças climáticas e estratégias de adaptação, passivos ambientais de empreendimentos, restauração florestal e incidência política para a defesa dos direitos indígenas. Foram evidenciadas semelhanças no processo histórico de colonização e esbulho dos territórios indígenas em ambos os países, e diferenças acerca das situações fundiárias, legislação e relações com os Estados-Nação, papéis e atribuições legais na proteção dos territórios.

As ações desenvolvidas pelos indígenas brasileiros e norte americanos para o enfrentamento dos desafios foram compartilhadas por guardiões e guerreiras da floresta, brigadistas, agentes ambientais, acadêmicos e pesquisadores, e lideranças engajadas na defesa dos territórios. Destacando-se o protagonismo indígena na gestão e proteção territorial, e o papel fundamental dos povos e terras indígenas na conservação da biodiversidade e no respeito e reconhecimento da diversidade étnica.

O intercâmbio não só proporcionou a troca de informações e fortalecimento de alianças entre indígenas brasileiros e norte americanos, assim como, entre representante de povos indígenas de 12 terras do Maranhão e norte do Tocantins, que enfrentam contextos e desafios semelhantes para a defesa territorial e do bem estar de suas comunidades. 

Enquanto parte da agenda, os indígenas norte americanos visitaram à aldeia Capitão do Campo – Terra Indígena Kraolândia, onde puderam vivenciar a riqueza cultural do povo Krahô e as pressões decorrentes do agronegócio na região. 

O evento foi realizado pelo Centro de Trabalho Indigenista – CTI, em parceria com a Associação Wyty Catë das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins, Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão – COAPIMA, Articulação das Mulheres Indígenas do Maranhão – AMIMA, Native American Fish & WildLife Society – NAFWS, Instituto Sociedade População e Natureza – ISPN, com o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento  Internacional – USAID, Departamento de Estado e Departamento do Interior do Estados Unidos.  

 

Confira o relato completo na reportagem especial de Isabel Lima

 

“Quero que meus netos vejam a mata crescendo. Basta eu ver o desmatamento tão grande no meu território”: indígenas do Brasil e Estados Unidos realizam intercâmbio sobre proteção territorial. 

Em meio à paisagem exuberante da Chapada das Mesas, dominada pelas altas serras com topos retos e pelas belas cachoeiras, em uma área cheia de matas, o  Centro Timbira de Ensino e Pesquisa Penxwyj Hempejxà recebeu mais de 80 pessoas para dialogar sobre proteção territorial. 

Entre os dias 7 e 11 de novembro, na cidade de Carolina – MA, um grupo com representantes dos povos Apinajé, Apanjekrá, Gavião Pycopcatiji, Guajajara-Tenetehar, Krahô, Krikati, Memortumré, Krenje,  Cherokee, Pueblo de Laguna, Huslia, Keweenaw Bay Indian Community, Tolowa Dee, e Quapaw estiveram juntos para um intercâmbio acerca dos territórios indígenas no Maranhão, norte do Tocantins e Estados Unidos.

No encontro “Diálogos Indígenas para Proteção Territorial”, grupos organizados com atuação na proteção dos territórios puderam apresentar as experiências, as estratégias adotadas, os desafios e os avanços. Os participantes eram representantes de Agentes Ambientais Timbira, Brigadistas de Incêndios Florestais, Brigadistas Voluntários, Guardiões da Floresta e Guerreiras da Floresta.

Realizado pelo Centro de Trabalho Indigenista – CTI, em parceria com a  Associação Wyty-Catë das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins, Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão – COAPIMA, Articulação das Mulheres Indígenas do Maranhão – AMIMA, Native American Fish & WildLife Society – NAFWS e Instituto Sociedade População e Natureza – ISPN, o encontro teve apoio da Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional – USAID, Departamento de Estado e Departamento do Interior dos EUA. 

O intercâmbio aconteceu enquanto os olhos do mundo estavam voltados para um local muito distante da Chapada das Mesas. Era a primeira semana da COP27, que aconteceu em Sharm El Sheik, no Egito. Mesmo separados por milhares de quilômetros, alguns pontos convergiam durante as discussões — como garantir que as futuras gerações vivam em um mundo que não esteja devastado pelas mudanças climáticas? 

Há uma urgência na demarcação e proteção dos territórios indígenas para enfrentar as mudanças climáticas. Conforme dados do MapBiomas, o desmatamento em terras indígenas demarcadas é de apenas 2%. Nos últimos quatro anos, a política de governo não apenas permitiu, como incentivou a invasão de territórios, agravando os conflitos e colocando as comunidades indígenas em risco. 

“Essa experiência só fortalece a nossa luta, a troca de experiências vêm nos fortalecer cada vez mais e nos incentivar que esse é o caminho certo, e não devemos parar. Com tantas dificuldades que temos hoje no Maranhão em relação às invasões, assassinatos, mas que o que resultado é positivo quando a gente não desiste da luta”, afirma Marcilene Guajajara, coordenadora da COAPIMA. 

No relatório Violência contra os povos Indígenas no Brasil com dados de 2021, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) contabilizou 305 casos de invasões, uso dos recursos naturais e danos aos patrimônios dos povos indígenas. Se contabilizarmos a omissão e a morosidade na regularização dos territórios, o número aumenta para 1.294 casos de violência ao patrimônio. 

Ainda conforme o relatório, no Maranhão foram registrados 25 casos de violência ao patrimônio, entre invasões, caça e pesca ilegal, ameaças, grilagem, registro de propriedades nas terras Indígenas. No Tocantins, 21 casos são reportados no relatório.

Arlete Cacuxen Krikati, liderança do povo Krikati e membro da Associação Wyty-Catë resumiu o desejo de cessar o conflito no seu território e encontrar caminhos para manter a floresta em pé. “Quero que meus netos vejam a mata crescendo. Basta eu vendo o desmatamento tão grande no meu território”, declara. 

A jovem Marcilene Gavião, da TI Governador (MA), apresentou para todos a experiência como participante do grupo Mentwajë — Jovens Agentes Ambientais. Destacou o diálogo com os mais velhos, as visitas ao limite da TI Governador, a construção dos mapas com base nas informações coletadas nas andanças pelo território. Marcilene apontou na apresentação os locais em que identificaram invasões, retirada de madeira, e como isso afeta negativamente a vida do povo Gavião. 

Kamila Kohhoc Canela, que faz parte do grupo dos Mentwajë da TI Kanela, ressalta que a pesquisa sobre o território que fazem como Agentes Ambientais é muito importante para identificar locais que os mais velhos já viveram, além de identificarem onde acontecem invasões, queimadas, e assim cuidar do Pyê.

 “Eu estou pesquisando meu território, eu aprendi muito pelo meu território. Conheci lugares que ainda não tinha ido, mas agora já fui lá. É muito importante para as crianças e jovens conhecerem o território. Nós somos Agentes Ambientais para lutar pelo território. Sem o território, o que vai ter para nós?”, pergunta Kamila. 

Um outro grupo que atua diretamente na proteção territorial também participou do intercâmbio. Os brigadistas atuam em áreas diversas, para além do combate ao fogo, como a educação ambiental, manutenção de viveiros de mudas, realização de queimas prescritas nas comunidades, e também fazem o manejo integrado do fogo, entre outras atividades.

As Brigadas podem ser oficiais, ligadas ao IBAMA – Prev-Fogo, ou voluntárias. Das brigadas oficiais do Maranhão, estiveram presentes os representantes das BRIFS Krikati, Arariboia, Governador, Caru e Porquinhos. O chefe da Brigada da Aldeia Zutiwa, TI Arariboia, Bruno Guajajara, compartilhou os desafios de atuar em uma grande área como a Arariboia.

“Não temos estradas, a estrutura é pouca. Esse ano o trabalho foi complicado, mas conseguimos reverter a situação. Não tivemos grandes incêndios, quando os identificamos os focos, conseguimos combater. Desde 2018 trabalhamos com a educação ambiental, isso acontece nas aldeias, nas escolas indígenas, com caciques, lideranças, também fazemos trabalhos no entorno, orientando os fazendeiros a não queimar pasto sem o acompanhamento da BRIF, para evitar que o fogo se alastre para a TI. A educação ambiental é um dos nossos fortes dentro do Prevfogo”, afirma Bruno. 

A Terra Indígena Arariboia é um território que contabiliza um grande número de conflitos e violências contra os povos indígenas no Maranhão. Para conter o avanço dos invasores e agir na proteção territorial, foi criado um grupo de Guardiões da Floresta. Os Guardiões atuam no monitoramento do território, identificando ilícitos e danos patrimoniais, e buscando maneiras de minimizar as invasões. A iniciativa dos Guardiões está presente em outros territórios do Maranhão, como nas TIs Caru e Rio Pindaré, Governador, Porquinhos.

Os Guardiões da Floresta desenvolvem ações de monitoramento, com expedições dentro das terras, identificando e mapeando os locais com incidência de atividades ilícitas. O cacique da Aldeia Maçaranduba e Guardião da TI Caru apresentou algumas das táticas utilizadas pelos invasores – escondem a madeira na mata ou no fundo dos riachos para enganar os guardiões, entram à noite para as caçadas e fazem plantações dentro do território. Na TI Caru, algumas dessas expedições contam com a presença dos órgãos ambientais responsáveis, como o IBAMA, a Funai, Polícia Federal e Polícia Ambiental. No entanto, esta não é uma realidade comum a todos os territórios, o que coloca quem faz o monitoramento em risco. 

A Guerreira da Floresta e professora Rosilene Guajajara falou sobre a necessidade de sensibilizar o entorno, para que os moradores das comunidades vizinhas a TI Caru compreendam o trabalho dos grupos organizados de proteção territorial, e colaborem para a preservação do território. As Guerreiras da Floresta são um grupo organizado com 25 mulheres, que desempenham um papel importante em conjunto com os Guardiões, e também realizam ações de educação ambiental dentro e fora do território.

Uma das ações desenvolvidas com as comunidades do entorno foi a destinação de microprojetos para 20 famílias. “Falamos com eles que não pode pescar, coletar frutas e caçar no território, e muitos deles vivem com dificuldades, insegurança alimentar, falta de políticas públicas. Foi mais uma maneira de minimizar as invasões no território, apresentando alternativas para as comunidades”, afirma Rosilene. 

Com a presença dos 6 indígenas estadunidenses, os momentos de troca de experiências foram ricos. Os representantes dos povos Cherokee, Pueblo de Laguna, Huslia, Keweenaw Bay Indian Community, Tolowa Dee, e Quapaw apresentaram para a plenária como fazem a gestão dos territórios, qual a relação entre as comunidades indígenas e as esferas governamentais, as pesquisas realizadas nos territórios e as principais estratégias de proteção territorial. 

Caleb Hickman, biólogo e membro do povo Cherokee compartilhou um pouco da história do seu povo, da cultura, dos esforços que fazem até hoje para manter o território íntegro, recuperação e pesquisas sobre espécies importantes para o povo Cherokee. “Nós fazemos muitas pesquisas, para garantir que os recursos, animais e plantas estejam lá no futuro. 

Trabalhamos com o conhecimento tradicional, apoiamos as atividades culturais, mas pensamos no futuro. Tudo que fazemos é para garantir que esses recursos estejam lá no futuro, para o povo Cherokee.”

Do povo de Laguna, Robert Romero, compartilhou sobre o trabalho na Sociedade Nativo Americana da Pesca e Vida Silvestre e sobre a realidade do povo de Laguna. Ele destacou que as dificuldades são similares entre o que acontece no Brasil e nos Estados Unidos. 

“Estamos trocando muitas experiências e conhecimento sobre os mesmos problemas que enfrentamos nos Estados Unidos, e os indígenas enfrentam aqui no Brasil. Tiveram muitas apresentações que me deixaram de coração partido e muito impactado, não só eu, mas os outros representantes dos indígenas que estão aqui. Enfrentamos as mesmas dificuldades, sentimos as mesmas perdas”, declarou Romero.