Audiências na CIDH discutem situações de vulnerabilidade dos povos indígenas

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos realizou, nesta segunda-feira (23), duas audiências para discutir a situação dos direitos humanos dos povos indígenas na América do Sul. Na ocasião, organizações indígenas e da sociedade civil do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela relataram à CIDH diversas situações de violação de direitos fundamentais dos povos indígenas em curso atualmente.

Foram apresentadas recomendações e questionamentos aos Estados nacionais, relacionados às situações de extrema vulnerabilidade em que se encontram os povos indígenas isolados e de recente contato nas regiões amazônica e do Gran Chaco, e também a casos de violência contra povos tradicionais, a lentidão nos processos de demarcação de terras e a ausência de apoio à proteção de lideranças ameaçadas. As audiências ocorreram no âmbito do 165º Período de Seções da CIDH, no dia 23 de outubro, na cidade de Montevidéu, Uruguai.

A primeira audiência abordou a situação dos povos em isolamento voluntário e contato inicial na Amazônia e o Gran Chaco. As informações apresentadas pela delegação da sociedade civil do Brasil demonstram que na atual conjuntura do país a política de proteção de povos indígenas isolados e de recente contato não se encontra apenas ameaçada, mas em franca desconstrução. Como consequência, casos de violação de direitos fundamentais destes povos têm aumentado drasticamente, verificando-se riscos reais de crimes de genocídio em diferentes regiões da Amazônia brasileira.

“As situações de alta vulnerabilidade destes povos são em larga medida um dado estrutural. Mas sob o atual governo, a própria política indigenista tem sido conduzida pelos setores mais contrários aos direitos dos povos indígenas. O agronegócio, a grilagem, a mineração, empreendimentos de infraestrutura, ilícitos, além do proselitismo religioso são ameaças reais à sobrevivência desses povos”, afirmou Francinara Baré, Coordenadora Geral da COIAB.

Entre as recomendações apresentadas estão a garantia de recursos financeiros e humanos necessários para a implementação de planos de contingência e o adequado manejo de situações de contato, de surtos e epidemias; a publicação de portaria que defina os princípios, diretrizes e estratégias para a atenção à saúde dos povos isolados e de recente contato; a reativação em caráter de urgência das Bases de Proteção Etnoambiental nas áreas onde pesam denúncias de genocídio, a exemplo da base Jandiatuba na TI Vale do Javari e Serra da Estrutura na TI Yanomami; e a conclusão dos processos de regularização fundiária das terras indígenas com presença confirmada de povos indígenas isolados.

A situação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil foi o tema da segunda audiência. O Estado brasileiro foi questionado sobre os retrocessos de direitos territoriais dos povos indígenas e quilombolas e o aumento de casos de violência e assassinatos relacionados a este contexto. Também foi denunciada a desproporcionalidade dos cortes do governo federal em órgãos como a Funai e o Incra, responsáveis pelos processos de demarcação de terras indígenas e de titulação de territórios quilombolas, respectivamente. A representação do Estado brasileiro não compareceu à audiência, justificando a ausência em razão do cancelamento de voo. As organizações autoras do pedido de audiência solicitaram à Comissão Interamericana a constituição de um grupo de peritos independentes de diversas áreas para avaliar a grave situação dos direitos humanos dos povos indígenas, com especial ênfase na demarcação e proteção das terras indígenas no Brasil.

Participaram das audiências diversas organizações indígenas e indigenistas do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru, dentre elas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), International Work Group for Indigenous Affairs (Iwgia), Asociación Interétnica para el Desarrollo de la Selva Peruana (Aidesep), Organización Regional de los Pueblos Indígenas del Oriente (Orpio), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Nacionalidad Wuaorani del Ecuador (Nawe), Iniciativa Amotocodie (IA), ACT/Colombia e Land is Life. As audiências também contaram com a participação da Associação Juízes para a Democracia (AJD), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF).