A carta final do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, divulgada na última sexta-feira (11), reafirma a resistência histórica dos povos indígenas do Brasil e denuncia com veemência os ataques institucionais e a repressão policial sofrida durante o evento. O documento, assinado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e suas organizações regionais, celebra os 20 anos da entidade e reforça o papel dos povos originários como guardiões da Mãe Terra, da democracia e da Constituição Federal de 1988.
O texto inicia com uma declaração firme: “Nós, povos indígenas, sempre estivemos aqui!”, destacando os 525 anos de resistência frente à invasão de seus territórios e ao genocídio de seus ancestrais. A carta ressalta que a APIB, fundada em 2005 durante o segundo ATL, representa uma instância nacional de articulação que expressa a mobilização e unidade na diversidade dos povos indígenas.
No contexto de avanço da extrema-direita e de retrocessos legislativos, a carta aponta para conquistas importantes, como o protagonismo indígena em cargos estratégicos do governo federal. No entanto, a organização destaca que representatividade sem estrutura e orçamento não é suficiente, exigindo autonomia, recursos e pessoal para a efetivação de políticas públicas específicas.
A crise climática global também ocupa lugar central no documento. Os povos indígenas alertam que a exploração de combustíveis fósseis afeta diretamente suas comunidades e pedem por uma transição energética justa e sustentável, que respeite seus territórios. Eles criticam inclusive fontes consideradas “limpas”, como a energia solar e eólica, quando implantadas sem consulta livre, prévia e informada.
A carta condena a criação da Câmara de Conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF), apontando-a como o maior ataque institucional aos direitos indígenas desde a Constituição de 1988. O texto destaca a proposta do ministro Gilmar Mendes, que sugere um novo anteprojeto de lei que fragiliza o direito à consulta, criminaliza retomadas e sinaliza abertura para a mineração em terras indígenas. O movimento exige o arquivamento dessa proposta e a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que, segundo os indígenas, legaliza a invasão de seus territórios.
A repressão durante a marcha do dia 10 de abril, parte da programação do ATL 2025, é fortemente denunciada na carta. Segundo o documento, mais de 8 mil indígenas marcharam pacificamente com maracás e a Constituição em mãos, mas foram recebidos com violência pela Polícia Legislativa e pela Polícia Militar. Bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta foram lançados contra mulheres, crianças, idosos e lideranças. A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi uma das vítimas. O texto denuncia que a violência foi premeditada, referindo-se a um áudio de um agente público que, em reunião anterior à marcha, afirmou: “Deixa descer. Se fizer bagunça, a gente mete o cacete”.
Ao reafirmar que “a resposta somos nós”, a carta reforça o papel dos povos indígenas como guardiões da Constituição e de um modelo de vida que oferece soluções concretas à crise climática. A agroecologia, as economias indígenas e a relação espiritual com a natureza são apontadas como alternativas viáveis e sustentáveis. Nesse sentido, o movimento exige a retomada imediata das demarcações de terras indígenas, não apenas como direito constitucional, mas como uma política climática efetiva.
A criação da Comissão Internacional Indígena para a COP30, lançada durante o ATL 2025, é celebrada como uma conquista histórica. A carta ressalta que o objetivo é garantir o protagonismo indígena na conferência do clima, que será realizada em Belém (PA), e credenciar mil lideranças indígenas na Zona Azul da COP. O movimento reconhece também a importância do Caucus Indígena, onde a liderança Sineia Wapichana ocupa atualmente uma das co-presidências.
Por fim, a carta conclui com um chamado à proteção da vida, da Mãe Terra, da Constituição e do futuro da humanidade. “Nossa luta é pela vida, pela Mãe Terra, pela Constituição e pelo futuro de toda a humanidade”, afirma o texto, assinado pela APIB e por suas sete organizações regionais: Arpinsul, Arpinsudeste, Apoinme, Coiab, Aty Guasu, Conselho do Povo Terena e Comissão Guarani Yvyrupa.
Confira a carta na integra aqui