Por Tiago Kirixi Munduruku/CTI
Cinco anos depois da última edição e atravessada pelos efeitos da pandemia, a III Assembleia das Mulheres Terena foi realizada na Aldeia Aldeinha, em Anastácio (MS), reunindo lideranças femininas de diversos territórios para três dias de escutas, debates e articulações políticas. O evento marcou não apenas o retorno dos encontros presenciais, mas a consolidação de um movimento coletivo protagonizado por mulheres indígenas que estão repensando seus papéis, fortalecendo suas vozes e redesenhando estratégias de atuação em defesa de seus territórios.






De iniciativa local à incidência nacional: a trajetória da mobilização Terena
A liderança indígena Daniele Terena relembra que o movimento das mulheres Terena nasceu a partir de um projeto da ONU Mulheres, antes mesmo da pandemia. A primeira assembleia surgiu como fruto dessa participação, incentivando a formação de lideranças e articulando espaços de escuta e planejamento.
“Foi dessa articulação que partiu a incidência política da Sônia Guajajara, que hoje é ministra dos Povos Indígenas”, recorda Daniele. A segunda edição, realizada antes do isolamento sanitário, ampliou as conexões regionais e contou com a presença de uma representante do povo Taurepang, trazendo outras experiências de luta feminina indígena.
Agora, a terceira assembleia marca o retorno ao formato presencial e lança as bases para um novo ciclo de mobilização, voltado à institucionalização da voz feminina dentro e fora do povo Terena.






Documento político e presença nas esferas institucionais
Entre os principais encaminhamentos do encontro está a elaboração de um documento político coletivo, que reunirá diagnósticos, propostas e reivindicações das mulheres Terena. A expectativa é usar esse instrumento como ferramenta de pressão junto ao Conselho Terena, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ao Ministério dos Povos Indígenas e à deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG).
“Queremos fazer uma incidência política não só dentro do nosso Conselho, mas também em outras instituições. Precisamos entender o que a Funai representa para nós. O que esperamos dela? Como ela pode ser nossa parceira de fato, para além do que já acontece?”, questiona Daniele.






Grupos de escuta revelam a diversidade dos territórios Terena
Uma das atividades centrais da assembleia foi a formação de grupos de trabalho por município, onde as participantes foram convidadas a refletir sobre três perguntas norteadoras: quem somos, para onde queremos ir e o que desejamos para o futuro. A proposta visava não apenas o planejamento estratégico, mas também o reconhecimento da diversidade de contextos vividos pelas mulheres Terena em diferentes localidades.
“Somos todas Terena, mas vivemos em municípios diferentes, então temos uma realidade diferente uma das outras. Foi um momento riquíssimo de troca de experiência”, destacou Adiane Terena, participante do grupo.
As falas revelaram os diferentes desafios enfrentados por mulheres em aldeias urbanas, áreas rurais e territórios com distintas condições de infraestrutura e apoio institucional.






Saúde indígena: presença das mulheres precisa ir além do cuidado
O tema da saúde indígena foi um dos mais debatidos nos grupos de trabalho. Apesar de serem as principais responsáveis pelos cuidados nas comunidades, utilizando tanto medicinas tradicionais quanto os serviços do SUS, as mulheres seguem sub-representadas nos conselhos de saúde locais e no Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) do Mato Grosso do Sul.
Segundo relatos das participantes, cerca de 99% dos representantes nesses espaços são homens, eleitos por processos internos ou nomeações via editais públicos, que muitas vezes não chegam às mulheres em tempo hábil.
Entre as propostas apresentadas estão: garantir a divulgação acessível dos editais de seleção e promover formações específicas nos territórios para reforçar o entendimento de que as mulheres são agentes legítimas do cuidado à saúde, e portanto, devem participar ativamente da tomada de decisões.






Gestão territorial, PNGATI e mobilização no Cerrado
Durante a manhã do segundo dia de assembleia, lideranças femininas discutiram temas como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e as estratégias da Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC).
Representantes do Conselho de Mulheres Terena relataram os avanços e desafios no âmbito da PNGATI e ressaltaram a importância de incluir as mulheres nos debates e decisões sobre o uso e proteção dos territórios. “É uma agenda estratégica. A terra está no centro da nossa existência, e nós, mulheres, estamos na linha de frente desse cuidado”, afirmaram as lideranças.
A assembleia também abriu espaço para contribuições das participantes à formulação dos PGTAs em suas comunidades, reforçando o protagonismo feminino na construção de políticas públicas adaptadas à realidade local.






Educação indígena: leis que não saem do papel
A parte da tarde do segundo dia foi dedicada à educação escolar indígena. De diferentes municípios, chegaram relatos de desrespeito à legislação que garante o direito dos povos indígenas a uma educação específica, diferenciada, intercultural e bilíngue. As mulheres relataram dificuldades em fazer com que as leis sejam aplicadas, principalmente diante da resistência de gestores públicos.
Também foram compartilhadas estratégias de mobilização para enfrentar o problema, como a pressão por formação de professores indígenas, a criação de materiais pedagógicos em língua Terena e o fortalecimento das redes de apoio para denúncias e fiscalização.






Cultura e espiritualidade como força coletiva
Os dois dias de programação foram marcados por momentos de espiritualidade, cantos e danças tradicionais. A abertura do segundo dia foi especialmente simbólica, reunindo todas as participantes em um ritual coletivo que evocou a força ancestral das mulheres Terena.
Essas manifestações culturais não foram apenas momentos simbólicos, mas parte integrante da construção política da assembleia, reforçando os laços comunitários e o pertencimento coletivo.
Brejão será sede da próxima assembleia
Ao fim do encontro, as mulheres decidiram por aclamação que a próxima edição da assembleia, a IV Assembleia das Mulheres Terena, será realizada na Aldeia Brejão, localizada na Terra Indígena Nioaque. A data será definida posteriormente, durante o planejamento anual do Conselho Terena, mas já há o compromisso de manter o ciclo de encontros vivos e ativos.