Mobilização Nacional Indígena movimenta Brasília, mas não muda opinião de ministro Cardoso a respeito das demarcações

CTI

Entre os dias 26 e 29 de maio, cerca de 500 indígenas de diferentes povos vindos de todo o Brasil estiveram na capital federal em defesa dos direitos territoriais e dos povos indígenas. Propostas e projetos do legislativo, tais como a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 215 e o Projeto de Lei Complementar (PLP) 227, as mesas de diálogo entre indígenas e ruralistas criadas pelo Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso e a paralisação nas demarcações de terras indígenas foram alvo de protestos na semana organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Em reunião com lideranças indígenas, o ministro Cardoso não sinalizou nenhuma mudança quanto as demarcações e os diversos povos deverão seguir mobilizados pelo Brasil.

Reunidos no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luiziânia (GO), no primeiro dia de atividades os diversos povos, representados por suas lideranças, organizaram uma plenária que, através da troca de experiências, denunciava a violência e a violação de direitos sofrida cotidianamente nas terras indígenas do país.

No segundo dia, terça-feira, 27 de maio, todos se deslocaram até Brasília para no Supremo Tribunal Federal (STF) protocolar uma queixa-crime contra os deputados federais Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS). Durante audiência pública da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, realizado em novembro de 2013 no município de Vicente Dutra (RS), Luiz Carlos Heinze disse que o governo de Dilma Roussef estaria alinhado com quilombolas, índios, gays e lésbicas, que, em sua visão, seria “tudo o que não presta” em nossa sociedade. Já Alceu Moreira conclamava os grandes proprietários a se organizarem através de suas redes de contatos para reunir “verdadeiras multidões” e expulsar “do jeito que for necessário” os que ousarem pisar em suas terras.

Na parte da tarde o movimento participou do Julgamento Popular das violações e crimes da Copa realizado na Rodoviária do Plano Piloto em Brasília. Convocado pelo Comitê Popular da Copa do Distrito Federal (DF), o julgamento condenou a FIFA, os governos Federal e do DF, e as diversas empresas, dentre elas empreiteiras e patrocinadores do evento, pelos crimes cometidos contra a população brasileira, tais como a remoção de milhares de famílias de suas casas para a realização de obras para a Copa, o descaso com as famílias de operários mortos em serviço, a falta de programas para impedir a exploração sexual de menores, a criminalização de movimentos sociais e os gastos exorbitantes com estádios em meio uma situação caótica nos setores de saúde e educação no Brasil. Os indígenas também levaram suas pautas pedindo a retomada das demarcações de terras, a revogação de portarias e decretos que restringem os direitos indígenas, o fim da criminalização das comunidades, a punição dos que agem violentamente contra elas e a efetivação de políticas públicas nas áreas de educação e saúde.

Após o julgamento popular, a manifestação seguiu em marcha até o Estádio Nacional Mané Garrincha. O ato foi pacífico até sua chegada nas proximidades do estádio, onde foi duramente reprimido pela atuação da tropa de choque da Polícia Militar do DF, deixando diversos feridos por bala de borracha, dentre eles seis lideranças indígenas e um fotógrafo da Agência Reuters. Um padre que acompanhava o povo Xerente também teve a mão ferida.

Devido a grande repercussão da manifestação e do abuso por parte dos policiais militares no uso da força, a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos prevista para a manhã de quarta-feira, dia 28, foi cancelada. Nesse dia, lideranças indígenas estiveram presentes em uma coletiva de imprensa, convocada pelo Comitê Popular do DF justamente para tratar da violência policial na manifestação. Além disso, o movimento conseguiu ser recebido pelo Presidente da Câmara Federal, Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), que deu sua palavra quanto à PEC 215. “Posso afirmar que enquanto eu estiver presidente só terá chance de ir à votação se tiver o consenso dessa casa. Precisa ser unanimidade”, afirmou. Logo após foram recebidos também pelo Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), para quem pediram que fosse barrada a PEC 38, de autoria de Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR), que pretende mudar a constituição e dar ao Senado a competência privativa para aprovar processo de demarcação de TIs.

Já no último dia de mobilização os diversos povos indígenas, contando com a presença de quilombolas, foram cobrar o principal responsável pela paralisação nas demarcações de terra. Ainda muito cedo, na quinta-feira, 29 de maio, os indígenas e quilombolas se reuniram na porta do Ministério da Justiça (nomeado pelos manifestantes como Ministério da Injustiça) para exigir uma reunião com o ministro José Eduardo Cardoso. Após horas de negociação e com indígenas chegando a se acorrentar na frente do ministério para serem atendidos, Cardoso aceitou se reunir com uma comissão. Apesar disso o ministro se mostrou irredutível e disse que seguirá implantando mesas de diálogo envolvendo governos locais e produtores rurais para discutir as demarcações.

Os povos que habitam as terras referentes aos 37 processos de demarcação, sem pendências, nas mãos do ministro, seguem aguardando a assinatura de Cardoso. Mesmo com esse desfecho para o final da semana em Brasília, a certeza entre os indígenas é de que a mobilização é o único caminho para garantir os direitos territoriais e dos povos indígenas.