Chefe dos Gavião Parkatêjê morre aos 90 anos

Iara Ferraz

O líder do povo indígena Gavião Parkatêjê de Mãe Maria, no sudeste do Pará, Topramre  Krohokrenhum Jõpaipaire (conhecido como  “Capitão”) faleceu na última terça-feira, 18 de outubro, aos 90 anos. No dia 20, sob o sol do meio dia, foi sepultado em Mãe Maria em meio a forte emoção de todos os integrantes das doze atuais aldeias e de muitos admiradores.

Krohokrenhum

O “Capitão, conhecido por ser um exímio arqueiro, em registro de 1976 (Foto: Iara Ferraz)

Krohokrenhum esteve à frente de seu povo por mais de 60 anos, tendo vivenciado o início do contato com os brancos: na década de 30, começava a exploração da castanha do Pará na margem direita do médio rio Tocantins e a invasão de seu território tradicional. Aquela área tornou-se ainda mais visada e a extração se intensificou em meados dos anos 60, com a abertura da rodovia PA 70, atual BR 222, atravessando a terra indígena Mãe Maria, reservada por decreto estadual desde 1943 entre os rios Flecheiras e Jacundá.

Depois da quase extinção de seu povo no passado devido a guerras que dividiram a população e às doenças contraídas com o contato com os kupen, os não índios, os 15 Parkatêjê restantes (povo Jê-Timbira), liderados por Krohokrenhum, aceitaram um acordo de realocação proposto pelos agentes do Serviço de Proteção ao Índios (SPI) para “proteger os castanhais” de invasores e ocupar aquela porção de terra que era parte de seu vasto território tradicional. Foram transferidos então do igarapé Praia Alta, no município de Itupiranga, local onde haviam se dado os primeiros contatos pacíficos com um missionário dominicano, Frei Gil Gomes Leitão, para a reserva Mãe Maria em 1966. Ali passariam a ser utilizados como mão de obra coletora pela agência tutelar pelos dez anos seguintes.

Em 1976 os Gavião Parkatejê, liderados por Krohokrenhum, conquistaram a autonomia da comercialização da castanha do Pará e retomaram o controle de sua vida, em termos econômicos, políticos e culturais.

Grande cantador e visionário, Krohokrenhum havia se lançado ao projeto de reagrupar seu povo e refazer aquela sociedade, para “serem muitos outra vez”, como ele costumava dizer, chamando de volta aqueles que haviam sido deixados aos cuidados de regionais para que sobrevivessem. Voltaram a realizar os ciclos cerimoniais de longa duração, retomando o uso dos nomes próprios na língua materna e a divisão em metades rituais, a cantar, correr com a tora e jogar flechas, e usar o corte timbira tradicional dos cabelos.

Ao mesmo tempo em que o país discutia o projeto de anistia, a Funai tentava empurrar o projeto da “emancipação” da tutela dos povos indígenas, eximindo o Estado de sua responsabilidade. Com a autonomia conquistada por meio da comercialização da castanha, os Gavião Parkatejê disseram “não” ao projeto do governo militar, em coro com as organizações de apoio da sociedade civil que começavam a se formar naquele contexto de distensão, rumo à redemocratização do país, entre elas o CTI.

Novas e significativas batalhas viriam a se intensificar, tendo Krohokrenhum sempre à frente. A passagem por Mãe Maria das linhas de transmissão de alta tensão da Eletronorte (oriundas da usina de Tucuruí, então construída sobre o território de um outro grupo local, os Gavião Akrãtikatejê (da montanha)) viria a destruir grande parte dos castanhais, além de passar sobre as roças, a aldeia e o cemitério.

Entre 1976 e 1980, foram pioneiras as negociações diretas com a empresa  estatal, com o apoio e assessoria jurídica por meio dos “amigos do CTI” – que resultaram em  uma indenização monetária paga em 1980 diretamente aos Gavião Parkatejê e que sinalizava a possibilidade de um modo distinto de as sociedades indígenas se relacionarem com os agentes do Estado – esse era o reconhecimento buscado por  Krohokrenhum. Fato inédito na época e que desencadeou na mídia  o “estereótipo” de índios ricos, e por isso não mais índios.

Seguiram-se 30 anos de negociações, convênios e acordos diretos, desta vez com a Cia. Vale do Rio Doce e a passagem da Estrada de Ferro de Carajás pelo sul de Mãe Maria, seccionando aquele território.  A unidade de seu povo, sempre enfatizada por Krohokrenhum, seria rompida através das pressões da empresa, privatizada em 1997, provocando cisões internas e novos conflitos a partir de 2000.

Ao longo de toda a sua vida, o “Capitão” foi o grande incentivador da cultura e das práticas tradicionais de seu povo. Exímio arqueiro e conhecedor dos cantos e da mitologia, sempre se preocupou em transmitir os conhecimentos aos mais jovens. Ao longo de 40 anos, juntamente com a linguista Leopoldina Araújo, da UFPA, publicaram muitos trabalhos na língua timbira, como suporte para as novas gerações, além de um dicionário histórico de 2800 verbetes, concluído há cerca de um mês.

Sua preocupação em registrar em vídeo os cantos e rituais  fez com que o CTI, em 1985, por meio  do projeto Vídeo nas Aldeias, documentasse  o ritual do  “Pemp” e o intercâmbio cultural com os Krahô, “Eu já fui seu irmão”. “Eu não vou morrer de graça”, um dos últimos registros de Krohokrenhum, em 2011 pelo Vídeo nas Aldeias, já independente do CTI, mostra que ele sabia que o fim se aproximava, mas que seu legado seria permanente.